A extração e a exploração mineira de urânio é uma atividade de elevado risco, dado o potencial radioativo deste minério. Uma atividade com forte impacto ambiental e na saúde pública, com consequências que perduram por demasiados anos. De difícil controlo, a dispersão da radioatividade subjacente aumenta, substancialmente, com a remoção do minério de urânio do subsolo e consequente exposição à superfície.
Os produtos derivados do radão, com elevada radioatividade, são suscetíveis de serem facilmente libertados na atmosfera, misturando-se com as partículas sólidas, e de serem transportados a longas distâncias, entrando facilmente no sistema respiratório. Para além do referido, têm a particularidade de se depositarem nos ecossistemas e, por conseguinte, entrarem na cadeia alimentar humana e animal, aumentando o risco de contaminação e de doenças graves.
O estado avançado do processo de licenciamento de uma exploração mineira, uma unidade de processamento de urânio e de um depósito de resíduos radioativos procedentes dessa mesma unidade em Retortillo-Santidad (Salamanca), localizado a cerca de 30 Km da fronteira portuguesa pela empresa Berkeley Minera España é preocupante, ficando completo o ciclo de exploração, reprocessamento e cemitério de resíduos radioativos.
O avançar deste processo, que Os Verdes têm acompanhado nos últimos anos, reforça a preocupação pela intenção manifestada por esta empresa de abrir minas de urânio a céu aberto junto à fronteira (a cerca de 8 km), em La Alameda de Gardon, cujo mineral se processará e enriquecerá em Retortillo. Por outro lado, a preocupação é igualmente reforçada pelo facto de este complexo mineiro se localizar junto ao rio Yeltes, numa área que integra a bacia hidrográfica do rio Douro, apresentando riscos muito elevados para os concelhos raianos de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo e Freixo de Espada à Cinta, assim como para os municípios banhados pelos rio Douro, conforme a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) confirmou em resposta à pergunta n.º 2512/XIII/1ª, de 23 de junho de 2016, que o PEV dirigiu ao Ministério do Ambiente.
A APA considera, assim, que a exploração mineira de urânio em Retortillo-Santidad poderá ser «suscetível de ter efeitos ambientais significativos em Portugal, face: à distância da fronteira portuguesa atendendo à direção dos ventos (a qual é, com alguma regularidade, dos quadrantes E/NE); e, ressaltando com maior relevo, o facto do rio Yeltes (que divide a exploração mineira em duas zonas) ser um afluente do Rio Huebra, que desagua no troço internacional do Rio Douro (a jusante da barragem de Saucelle), considerando a importância do Rio Douro na disponibilização de água para o abastecimento público de aproximadamente 2 milhões de pessoas e para a rega de todo o Douro Vinhateiro».
Os aspetos de maior preocupação identificados pela APA estão relacionados com a contaminação radiológica e por metais pesados, associados à degradação quer da qualidade da água, quer da qualidade do ar, resultantes da presença de partículas, nomeadamente de partículas com metais pesados e partículas radioativas. Tal suscita preocupação decorrente do funcionamento regular da exploração ou na eventualidade de ocorrer uma situação de catástrofe.
Embora este projeto possa ser suscetível de ter efeitos ambientais significativos para o nosso país, a Junta de Castela e Leão considerou não ser necessário realizar consultas transfronteiriças, atendendo à distância da exploração mineira da fronteira com Portugal, tendo já sido concluído o respetivo procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental, com a emissão da correspondente Declaração de Impacte Ambiental.
Face ao avançado processo de licenciamento a à necessidade de avaliação do impacto transfronteiriço, Portugal acaba por ficar reduzido nos seus direito, tendo em conta os procedimentos ainda em tramitação, ou seja, autorização da construção da fábrica de instalação, uma vez que já terminou o processo relativamente à concessão da licença de exploração realizada pela Junta de Castela e Leão - uma participação manifestamente insuficiente face aos riscos que poderão advir para o território nacional.
Tendo em consideração que Portugal não foi notificado e envolvido neste processo dá-se necessariamente por desrespeitado o «Protocolo de atuação entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino de Espanha sobre a aplicação às avaliações ambientais de planos, programas e projeto com efeitos transfronteiriços» assinado a 19 de fevereiro de 2008 entre os dois governos. Em bom rigor está-se a impossibilitar a participação do público, nomeadamente das populações e autarquias raianas.
Este processo é, em tudo, similar ao que motivou uma queixa de Portugal à Comissão Europeia relacionada com a decisão espanhola de construir um armazém temporário de resíduos nucleares em Almaraz sem avaliar o impacto ambiental transfronteiriço, pois a diretiva comunitária obriga os Estados membros a consultarem países os vizinhos sempre que estejam em causa decisões com efeitos transfronteiriços.
Em Portugal a exploração de urânio, com grande expressão nos distritos de Viseu, Guarda e Coimbra, foi abandonada, na viragem do século, por várias razões, nomeadamente pela forte pressão das populações e movimentos devido aos perigos inerentes. O PEV esteve com essa luta e deu-lhe voz ativa.
Perante o exposto, pelas evidências da exploração de urânio em Retortillo-Santidad, junto à nossa fronteira, poder causar efeitos significativos no ambiente e na saúde pública pela contaminação radiológica e por metais pesados, o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) apresenta o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República delibera, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo que tome as diligências necessárias, junto do Governo espanhol, para travar a exploração de urânio em Retortillo-Santidad (Salamanca) junto à nossa fronteira, com efeitos ambientais significativos para o nosso país, tendo em conta que não houve avaliação de impactos transfronteiriços.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 5 de junho de 2017
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