No dia 15 de fevereiro, o Parlamento Europeu aprovou o CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement) - Acordo Económico e Comercial Global entre a União Europeia e o Canadá, votação que ficou marcada por uma grande contestação.
Este acordo começou a ser negociado formalmente entre a União Europeia e o Canadá em 2009, tendo a sua versão final sido tornada pública pela Comissão Europeia, apenas em Fevereiro de 2016. No entanto, desde 2007, aquando da realização da Cimeira União Europeia - Canadá, em Berlim, já havia sido decidido realizar um estudo sobre a liberalização das relações económicas entre as partes.
Inicialmente, estava previsto que fosse um simples tratado comercial mas, a partir de 2011, as negociações começaram a ser alargadas com vista a incluir um capítulo sobre investimento. Assim, o CETA representa uma nova geração de tratados, pois vai muito para além de questões aduaneiras, passando a incluir matérias de regulamentação.
O CETA abrange um extenso conjunto de matérias que influenciarão de forma decisiva uma série de aspetos da vida quotidiana dos Estados e dos seus cidadãos e contempla um conjunto de medidas que colocarão em causa os serviços públicos, atribuindo um poder ilimitado às empresas e nivelando as normas sociais, ambientais e laborais por baixo, atacando a capacidade de regulação dos direitos dos cidadãos por parte dos governos. Poder-se-á mesmo afirmar que estamos diante de um acordo que concede um conjunto de privilégios às empresas, ao mesmo tempo que as desresponsabiliza pelas suas ações.
Ao longo dos vários anos de negociações, o processo negocial ficou marcado por um enorme secretismo pois foi feito à revelia dos eurpeus, num claro desrespeito pela democracia e soberania dos Estados. No entanto, apesar do secretismo e da falta de transparência, foi aumentando a contestação e a rejeição do CETA por parte dos cidadãos. Perante todos os impactos negativos decorrentes deste acordo, mais de 3 milhões de cidadãos europeus, dos quais quase 23 mil são portugueses, assinaram a Iniciativa Europeia contra a ratificação do CETA e do TTIP - Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, entre a União Europeia e os Estados Unidos da América.
De facto, foi precisamente a forte contestação por parte de inúmeros sectores da sociedade em vários países que obrigou a União Europeia a considerar o CETA como um acordo de natureza mista, o que implica que tem que ser ratificado por cada um dos Estados-Membros, segundo as suas normas constitucionais e consequentemente pelos seus parlamentos nacionais. Desta forma, é à Assembleia da República que cabe a decisão de ratificar ou não o CETA.
Entretanto, foi entendimento da Comissão Europeia que mesmo com a obrigatoriedade do acordo ficar sujeito a um processo de ratificação pelos parlamentos nacionais, este poderá ser aplicado parcial e provisoriamente. Alega a Comissão Europeia que só entra em vigor a parte correspondente às denominadas competências exclusivas da União Europeia, o que significa 95% do acordo, pois a parte das competências partilhadas com os Estados corresponde a apenas 5%.
Ou seja, estamos perante uma clara imposição das medidas previstas no acordo à revelia dos Estados e dos parlamentos democraticamente eleitos pelos cidadãos, o que se afigura totalmente inaceitável porque, mesmo que o acordo seja recusado por parte dos parlamentos nacionais, a sua entrada em vigor provisória já terá acontecido, com algumas medidas entretanto implementadas a continuarem em vigor pelos anos seguintes, sendo muito difícil e praticamente impossível recuar na sua aplicação e nas consequências daí decorrentes.
Por isso mesmo, o Partido Ecologista Os Verdes rejeitou, desde o início, esta possibilidade, pois representa um claro desrespeito pela soberania do nosso país e é uma evidente expressão da natureza antidemocrática da União Europeia.
Relativamente ao conteúdo do CETA, uma das matérias mais contestadas é a existência do ICS (Investment Court System), um mecanismo baseado no ISDS (Investor-State Dispute Settlement), que tem como objetivo dirimir conflitos emergentes da relação Investidores-Estado em tribunais arbitrais. O ICS permite que as empresas processem os Estados, caso estes adotem medidas que impeçam ou dificultem a sua margem de lucro, ou as expectativas de lucro, o que representará uma violação do Estado de Direito Democrático e uma limitação do direito de os Estados regularem sobre matérias de interesse público.
Foi também devido à enorme contestação que se gerou, por parte dos cidadãos e de várias entidades, que o ICS sofreu algumas alterações. Contudo, mesmo com essas alterações, as medidas mais gravosas mantêm-se. Como se não bastasse, as alterações propostas pela União Europeia não respeitam a opinião dos cidadãos que, aquando da consulta pública sobre esta matéria, mais de 90% defenderam a não inclusão deste tipo de mecanismos.
Além disso, não existe qualquer justificação de foro jurídico nem político para a criação de um sistema de justiça a funcionar paralelamente, que apenas permite aos investidores processarem os Estados, sendo que o contrário não poderá suceder.
Se Portugal ratificar o CETA, estará a alinhar com um retrocesso das conquistas civilizacionais, podendo ser objeto de chantagens corporativas e alvo de processos em que as empresas exigirão indemnizações se considerarem que não são criadas condições favoráveis ao seu investimento e obtenção de lucros, presentes e futuros.
Tal como evidenciam experiências anteriores a nível nacional e internacional, haverá uma sobreposição de interesses corporativos em detrimento da soberania nacional, da capacidade de definir livremente políticas económicas, sociais e ambientais e da defesa do interesse público.
Além disso, este acordo permitirá também às empresas dos Estados Unidos da América com sede no Canadá usarem o acordo. Quer isto dizer, que é uma forma encapotada de aplicar as medidas previstas no TTIP.
Está também previsto um mecanismo com quadros ligados a lobbies de empresas (Fórum de Coperação Regulamentar) que terá como uma das suas competências poder proceder a alterações ao texto inicial do acordo, após a sua ratificação, sem que isso requeira quaisquer negociações com os estados membros ou com os representantes dos cidadãos a nível nacional.
Do ponto de vista ambiental, o CETA deixa em aberto a possibilidade das empresas contornarem legislação e acordos internacionais, como o Acordo de Paris, ratificado tanto pelos países da União Europeia como pelo Canadá, pondo em risco quaisquer esforços que sirvam para combater as alterações climáticas.
Apesar da existência de um capítulo sobre sustentabilidade, não existem referências a questões relacionadas com os acordos na área do clima. Não há qualquer previsão que o comércio possa e deva ser um instrumento para a promoção da sustentabilidade.
Na agricultura, este acordo terá impactos negativos nos pequenos e médios produtores e na produção e na comercialização de produtos regionais, uma vez que reconhece apenas cerca de 150 das mais de duas mil denominações geográficas existentes nos Estados-Membros da União Europeia. Assim, vários produtos portugueses ficarão desprotegidos, o que poderá representar quebras nos rendimentos dos produtores, pois dos 140 produtos protegidos em Portugal, apenas 20 estão protegidos no CETA.
Ao nível da segurança alimentar, convém salientar as diferenças entre as normas europeias e as do Canadá, no que diz respeito aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM), aos fatores de crescimento e às hormonas e ao bem-estar animal, sendo o Canadá muito mais permissivo e menos rigoroso do que a União Europeia. Por exemplo, no Canadá o controlo da carne é realizado apenas no fim da linha de produção e não ao longo de todo o processo, daí a prática usual de desinfetar carcaças com cloro para disfarçar deficiências de higiene. Poderão ser removidas as restrições europeias sobre OGM, pesticidas, produtos tóxicos, carne com hormonas, entre outras. Não nos podemos esquecer que o Canadá é um dos maiores produtores de OGM e que 80% dos antibióticos usados nesse país são consumidos como fator de crescimento na alimentação animal. Por exemplo, a ractopamina, beta-agonista proibido na União Europeia desde 1996, é usada em larga escala no Canadá.
O acordo também prevê contingentes de centenas de milhares de toneladas de carne bovina e suína, que terão que entrar no nosso mercado apesar de a produção na União Europeia ser excedentária.
O CETA também não salvaguarda o respeito e o cumprimento do princípio da precaução, parte integrante da política ambiental da União Europeia, o que pode levar a um enfraqueimento das leis de proteção ambiental e dificultar a introdução de novas regras e regulamentos para a preservação do ambiente e da saúde pública.
Apesar de a Comissão Europeia e o Governo português insistirem que o CETA não promoverá a privatização de serviços públicos, a verdade é que isso não está garantido no texto do acordo, incluindo os anexos, pois existem normas de exceção que acabam por inviabilizar algo que, aparentemente, estaria assegurado. Até por este facto, se comprova a falta de transparência do tratado, não só a nível do processo mas também do seu conteúdo.
O CETA dificulta que os serviços que entretanto foram privatizados ou concessionados possam regressar à esfera pública, mesmo que um Estado decida nesse sentido, pois o Estado poder-se-á confrontar com pedidos de pesadas indemnizações. Isto pode aplicar-se ao sector da água, da energia, dos transportes, dos serviços postais, entre muitos outros.
No campo da legislação laboral não existe um único mecanismo para defender os direitos dos trabalhadores ou para impedir que se baixe os níveis de proteção. Não nos podemos esquecer que o Canadá tem padrões muito inferiores aos europeus nesta matéria, sendo que não ratificou grande parte das 190 Convenções da Organização Internacional do Trabalho, como a contratação coletiva ou a convenção sobre higiene e segurança no trabalho.
Do ponto de vista económico, os ganhos previstos, apesar de baseados em pressupostos irreais, são mínimos e poucos relevantes. Se não, veja-se: ao fim de uma década prevêem-se ganhos para a União Europeia entre 0.003% a 0.08%.
É de realçar que, até ao momento da votação do CETA no Parlamento Europeu, em fevereiro, o debate público em Portugal promovido pelo Governo foi inexistente, apesar da aprovação do ponto deliberativo do Projeco de Resolução Nº 379/XIII/1ª do Grupo Parlamentar de Os Verdes que determinava que previamente ao processo de ratificação, o CETA fosse objeto de um amplo debate público, alargado e transparente.
Todavia, os escassos debates promovidos pelo Governo foram todos posteriores à aprovação no Parlamento Europeu e ficaram muito aquém do que foi recomendado e do que poderia e deveria ter sido feito, a bem da transparência e do acesso à informação a que os cidadãos têm direito.
Saliente-se igualmente o facto de, até ao momento, não existir qualquer estudo dos impactos económicos, ambientais e sociais da aplicação do CETA em Portugal, solicitado pelo Governo.
Face a todo este processo e aos conteúdos expressos no CETA, Os Verdes têm, desde o início, manifestado a sua oposição a este acordo, cujo processo foi opaco e que liberaliza o comércio à custa da segurança dos cidadãos, de normas ambientais, de segurança alimentar e de direitos laborais, defendendo que é possível estabelecer relações comerciais baseadas na justiça, no desenvolvimento e na sustentabilidade e que respondam às necessidades e aos interesses dos povos.
Por tudo o que ficou expresso, o Partido Ecologista Os Verdes considera que o CETA deve ser rejeitado pela Assembleia da República por representar sérios prejuízos para o país.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República, reunida em sessão plenária, delibera rejeitar o CETA - Acordo Económico e Comercial Global entre a União Europeia e o Canadá.
Palácio de S. Bento, 12 de junho de 2017
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