Desde a década de setenta que as empresas Rogério Leal & Filhos e Luís Leal & Filhos têm uma guerra aberta com as populações envolventes. As primeiras interpelações sobre a poluição oriunda destas empresas, reportavam-se à laboração das fábricas das tripas, fundição de sebo e moagem de ossos. Os, então, proprietários da LEALEX acabaram, mais tarde, por criar as suas próprias unidades fabris. Inicialmente eram duas pequenas fábricas no meio de pinhal e nas imediações da população. Hoje são duas unidades enormes no meio da malha urbana. Uma dessas empresas (a Luís Leal) estabeleceu, aquando da crise da «encefalopatia espongiforme bovina», vulgo BSE, um protocolo com o Governo para proceder à incineração dos bovinos potencialmente contaminadas.
Existe, de alguma forma, um hábito de pensar a poluição fundamentalmente nas suas vertentes sonora, atmosférica, hídrica ou ao nível dos solos, subestimando, frequentemente, a poluição provocada por odores fortes e insuportáveis. Mesmo que muitas vezes estes sejam aparentemente inofensivos para a saúde humana, o que inegavelmente acontece é que colocam em causa a qualidade de vida de comunidades inteiras que se vêm forçadas a conviver com cheiros fortemente penalizadores para o seu bem-estar.
O caso paradigmático desta situação é a forma como são afetadas as populações da cidade de São João da Madeira e de toda a zona envolvente das atrás citadas unidades fabris, num raio que se estende por vários quilómetros, conforme a orientação dos ventos e brisas. A atividade das fábricas Luís Leal & Filhos, SA. e Rogério Leal & Filhos, SA. está há anos associada aos cheiros nauseabundos que atormentam as populações referidas. Embora situadas na freguesia de Arrifana, concelho de Santa Maria da Feira, perante certas condições atmosféricas, nomeadamente a predominância dos ventos vindos do Atlântico e de Sul, São João da Madeira é a localidade que mais sente o efeito nocivo desta atividade industrial, arrastando estes cheiros até São Roque, município de Oliveira de Azeméis e, para norte, até Arrifana, Fornos, Mosteirô e Escapães, no município da Feira.
A laboração destas duas fábricas, de transformação de subprodutos animais não destinados ao consumo humano, continua a gerar polémica entre a população e a sua administração. Se é reconhecido o seu valor económico e a riqueza que cria em postos de trabalho, não é menos verdade que os maus cheiros ultrapassam em muito a intensidade e o raio de um quilómetro que os seus administradores dizem alcançar.
«Apesar de situada ainda em terras de Santa Maria da Feira os sanjoanenses são os mais lesados, pois quando surge impõe-se o recolher, como de uma peste se tratasse». São as palavras de um sanjoanense que bem espelham o descontentamento perante esta realidade que tarda em ser alterada. No entanto, verificamos que a atividade poluidora deste tipo de indústria pode não ficar por aqui. Há também uma forte suspeita de que possa haver contaminação das linhas de água de superfície e subterrâneas devido a um deficiente tratamento das águas residuais.
Perante esta situação, no município de São João da Madeira, foi criada uma aplicação para denunciar o mau cheiro que em seis meses, de junho a novembro de 2014, registou 260 queixas. O sistema, denominado Odourmap, consistiu numa plataforma para registar episódios de mau cheiro em S. João da Madeira, funcionando os cidadãos como agentes ativos na deteção dos odores indesejáveis. A maioria dos episódios inscritos na Odourmap é identificada como odor de carne putrefação/gorduroso/nauseabundo. Também na maioria dos casos, o cheiro é denunciado como «extremamente incomodativo» e de intensidade «muito forte».
Na Assembleia da República foi entregue, tendo seguido o seu processo de análise e de apreciação, a petição nº 219/XIII/2ª, sob o lema «Cheiro a casqueria, não!», a qual denuncia estas situações a que são sujeitas as populações de S. João da Madeira, Santa Maria da Feira e Oliveira de Azeméis,
O manuseamento e transformação dos produtos que entram nestas unidades fabris afeta bastante uma grande parte da população envolvente, que sofre de forma dramática com este problema. A empresa Luís Leal usa um processo de oxidação térmica que retira o odor aos gases libertados pela transformação dos subprodutos animais. Depois de retirada a gordura e a farinha, os gases libertados são encaminhados para um equipamento que retira 95% de potencial odorífero aos gases. Só que o mesmo equipamento que retira o odor também produz vapor, que é, aliás, essencial ao processo. Isso faz oscilar a temperatura e afeta os resultados. Já a unidade fabril Rogério Leal usa um sistema de «cortinas de água» por onde são obrigados a passar os gases saídos das caldeiras para purificação.
Perante os constantes cheiros nauseabundos, vulgarmente designados por «cheiro a casqueira», sentidos há anos pelas populações de São João da Madeira e de Arrifana, Fornos, Mosteirô, Souto e Escapães (Santa Maria da Feira) e de São Roque (Oliveira de Azeméis), que resultam da transformação de subprodutos de origem animal, o PEV tem frequentemente denunciado a situação com ações locais e com denúncias e perguntas parlamentares ao Ministério do Ambiente. Impõem-se soluções que tardam para as populações afetadas.
Assim, o Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte Projeto de Resolução:A Assembleia da República delibera, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo que tome as medidas necessárias, nomeadamente junto das empresas de transformação de subprodutos de origem animal, localizadas em Arrifana (Santa Maria da Feira), para que de forma definitiva seja resolvido o problema dos cheiros nauseabundos que afetam a qualidade de vida da população.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 6 de julho de 2017
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