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20/04/2018 |
Projeto de Resolução nº1535/XIII/3ª - Medidas para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais |
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A segurança física e saúde dos trabalhadores é um princípio fundamental do Estado de Direito Democrático, que a Constituição da República Portuguesa, não só, consagra no seu artigo 59º (Direito dos Trabalhadores), como também eleva ou inclui no elenco dos direitos fundamentais.
Ainda assim, anualmente ocorrem em média mais de 200 000 acidentes de trabalho no país e um número indeterminado de doenças profissionais em resultado de condições de trabalho direta ou indiretamente inadequadas e inapropriadas.
Por sua vez, a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro no seu artigo 8º, define acidente de trabalho como “aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
De acordo com dados registados pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) só em 2017, morreram em Portugal 115 pessoas em acidentes de trabalho, menos 23 que em 2016, resultando ainda 315 feridos com gravidade (mais 51 do que no ano anterior).
Os acidentes de trabalho constituem um problema e um drama social, que afetam muitos trabalhadores e respetivas famílias e que têm de ser encarados como uma prioridade absoluta, até porque nos últimos quatro anos, perderam a vida mais de 500 trabalhadores e cerca de 1300 ficaram feridos com gravidade. Se recuarmos até ao início do século verificamos que desde o ano 2000, o número de sinistros profissionais ascendeu os 3,5 milhões, período durante o qual, infelizmente, perderam a vida mais de 4300 pessoas.
Os estudos e os dados existentes mostram que o sector da construção civil e o sector da indústria transformadora, continuam a ser os sectores de atividade mais atingidos, no que diz respeito ao número de mortos e de feridos graves, sectores, recorde-se, onde se encontram trabalhadores com os mais baixos salários e a trabalharem por períodos mais extensos e com vínculos muito precários, em particular na construção.
Tal como os acidentes de trabalho, as doenças relacionadas com a atividade profissional são fonte de extremo sofrimento e perdas no mundo do trabalho. Sucede que, enquanto os acidentes de trabalho, em geral, têm um efeito imediato e visível na integridade física do trabalhador, muitas doenças profissionais, tais como cancros provocados por causa profissional, são caracterizadas por longos períodos de latência, sendo por isso difíceis de reconhecer até à manifestação clínica dos seus sintomas, como sucede nomeadamente com as doenças derivadas da exposição a ambientes com amianto ou radão, de que são exemplo os trabalhadores de minas de urânio.
Embora as doenças profissionais sejam anualmente responsáveis pela morte de seis vezes mais pessoas do que os acidentes de trabalho, estas permanecem em grande medida invisíveis, sendo consideradas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma epidemia oculta.
As perturbações músculo-esqueléticas, que incluem a síndrome do túnel cárpico, hérnias, tendinites, dores lombares, entre outras, constituem o problema mais comum relacionado com a atividade profissional afetando milhares de trabalhadores no nosso país.
Estas perturbações causadas ou agravadas pelas atividades profissionais, resultam de inúmeros fatores não só físicos, como movimentos repetitivos, posturas, aplicação de força, vibrações, ruído, compressão, temperatura ambiente, etc, mas também de fatores organizacionais e psicossociais, como pressão e ritmos de trabalho, baixos níveis de satisfação, trabalho monótono, excesso de trabalho, entre outros que podem exercer uma ação separadamente ou combinados.
Por outro lado, as perturbações do foro mental, inseparáveis dos fatores organizacionais e psicossociais, que derivam do stress relacionado com o trabalho, tornam-se igualmente um problema grave de saúde para os trabalhadores.
Na verdade, algumas destas doenças, difíceis de se reconhecer e comprovar como doença profissional, devido às causas muito difusas e diversas, como sejam o assédio moral, sexual e psicológico, a intimidação e outras formas de violência no local de trabalho, mas também originadas por outros fatores mais amplos, relacionados com o tempo de trabalho e com a natureza dos vínculos laborais, também devem ser equacionadas quando falamos de problemas de saúde dos trabalhadores.
O ritmo e intensificação do trabalho, o prolongamento do horário e a desregulação do trabalho, a pressão e metas de produtividade incutidas pelas empresas, a precariedade, com situações ultra-precárias, por vezes, a lembrar a jorna, conjuntamente com a reduzida proteção social e baixos salários conduzem a uma degradação das capacidades físicas, psíquicas e intelectuais dos trabalhadores, potenciando ou provocando tantas vezes, o surgimento de doenças profissionais e os acidentes de trabalho.
De facto, a precariedade e a intensificação, do trabalho que se têm verificado de forma global, acabam por ser o resultado desde modelo, onde os interesses dos grupos económicos se sobrepõem e influenciam o poder político, na ânsia da obtenção do lucro, pelo lucro, desvalorizando e desrespeitando o papel dos trabalhadores, os seus direitos e as suas condições de trabalho. Uma situação que se torna ainda mais preocupante se tivermos em conta que a precariedade tem vindo a assumir proporções crescentes, tendo de há uns anos para cá tomado, praticamente, conta da realidade laboral no nosso país.
Com efeitos, as alterações ao Código de Trabalho que foram introduzidas por sucessivos governos, contribuíram de forma veemente para fomentar a precariedade, a desregulamentação e flexibilização dos horários e tempos de trabalho, para promover os baixos salários e a redução de muitos outros direitos, com claros prejuízos para a qualidade de trabalho e de vida dos trabalhadores.
Paralelamente às alterações que foram introduzidas pelo Código do Trabalho ao nível do descanso compensatório, ao número de dias de férias, tempo de trabalho máximo sem intervalos, modalidades de flexibilização do horário de trabalho, entre outras, protagonizadas pelo governo PSD/CDS, é preciso ainda somar outra outras e igualmente gravosas medidas, que vieram penalizar substancialmente quem trabalha, nomeadamente a redução da proteção social, em particular dos subsídios de doença e doença profissional.
Ora, aquando da análise aos riscos profissionais, os técnicos de Segurança, Higiene Saúde no trabalho ao serviço das empresas, deixam frequentemente de parte, o tempo de trabalho e a natureza do vínculo laboral, por se tratarem de fatores de risco indiretos, tornando, desta forma, as análises incompletas, parciais, imprecisas e insuficientes, para protegerem a saúde e a segurança de quem trabalha.
Isto, apesar da precariedade laboral e do tempo de trabalho serem apontados como os fatores indiretos mais importantes de risco profissional, o que, aliás é comprovado por vários estudos. Existe, de facto, um flagrante nexo de casualidade, entre o tempo de trabalho e a probabilidade de maiores ocorrências de sinistros laborais e de mais doenças profissionais.
Ao nível contratual, os trabalhadores com vínculos precários estão mais expostos a riscos psicossociais, usufruem, em regra, de menor proteção na segurança e doença no trabalho, sendo encarados pelas empresas como “mão-de-obra descartável” e não têm acesso ao mesmo conhecimento, formação e experiência profissional, o que potencia a sua exposição ao risco.
Os acidentes de trabalho e as doenças profissionais são um problema social com grandes repercussões, deste logo para o trabalhador e suas famílias, nomeadamente económico, mas constituem um problema e custos incalculáveis para toda sociedade com a redução da capacidade de trabalho, da produtividade e agravando as despesas do Estado com a saúde, entre outros. As doenças profissionais, por si só, mas associadas também à reduzida proteção social tornam-se igualmente um problema de saúde pública.
Sucede que a grande maioria dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, não podem ser encarados, porque na realidade não são, uma fatalidade do destino, mas sim uma consequência de opções politicas. O trabalho com direitos, o combate à precariedade e à desregulação dos horários de trabalho, o aumento dos salários, o aumento da proteção social, o reconhecimento e classificação das doenças profissionais, a adequabilidade das condições de trabalho, o reforço das ações de fiscalização pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), assim como a assunção de novas medidas de prevenção, representam um forte contributo para reduzir os sinistros de trabalho e evitar o surgimento de doenças profissionais.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista “Os Verdes”, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1- Adote os mecanismos adequados de recolha e análise de dados sobre doenças profissionais;
2- Publique um relatório anual sobre a incidência das doenças profissionais ao nível das baixas médicas, incapacidade para o trabalho e reforma por invalidez;
3- Dote a Autoridade para as Condições do Trabalho dos meios humanos e materiais necessários para reforçar as ações de inspeção e fiscalização;