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19/12/2016
Projeto de Resolução nº584/XIII/2ª - Garante o direito à água ao saneamento
A ânsia pela apropriação do recurso natural água, por parte de agentes privados, é uma realidade, desde logo porque deter a gestão deste recurso, essencial à vida (logo imprescindível e não dispensável) é negócio garantido. Por outro lado, deter a gestão deste recurso é ganhar poderes soberanos e de controlo sobre um país, porque é ter instrumentos de decisão sobre o seu acesso e distribuição, com implicações, designadamente, de ordem económica, social, ambiental e de gestão territorial.

A acrescentar a tudo isto, se pensarmos que, devido à escassez de água doce, este recurso ameaça ser um dos potenciais fatores de conflito entre Estados, no decurso deste século, torna-se, então, completamente incompreensível que um Estado prescinda de gerir este bem natural, que é um recurso estratégico para o país, com a sua entrega ao setor privado!

A privatização da água comporta, ainda, um perigo de ordem ambiental que importa realçar: dado o objetivo de obtenção de lucro e de desejo de venda do produto gerido, a privatização não se associa diretamente ao princípio ecologista desejável de poupança da água. Comporta, ainda, um perigo de ordem social que reside no aumento de tarifário (que pagará, para além dos custos do sistema de distribuição e saneamento, os lucros das empresas detentoras da sua gestão), que tende a condicionar o acesso à água à capacidade económica das famílias. De resto, o aumento do tarifário foi, em todas as partes do mundo onde se implementaram esquemas de privatização da água, uma consequência imediata, assim como a degradação do controlo de qualidade.

Em Portugal, a ânsia pela privatização da água e a preparação do caminho para a privatização já conhece longa história, designadamente legislativa, desde o início dos anos 90. A insistência dos Governos pela implementação dos sistemas multimunicipais, desvalorizando o papel da liberdade das autarquias locais se organizarem e de decidirem livremente sobre a forma como pretendem gerir o recurso água, fazendo, inclusivamente, depender financiamento dos sistemas criados, é um exemplo de como se preparou caminho para uma lógica de privatização do setor.

O anterior Governo PSD/CDS chegou mesmo a anunciar a sua intenção de entrega do setor da água aos privados, quando, discreta mas publicamente, o então Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, referiu a intenção de alienar a AdP, questão depois confirmada pela então Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, Assunção Cristas. Todo o caminho que depois foi percorrido demonstrou ter em vista a futura privatização do setor, quer quando venderam a EGF (resíduos) à SUMA/Mota-Engil, quer quando forçaram a fusão e a verticalização dos sistemas de gestão da água.
O anterior Governo PSD/CDS «jogava» depois com as palavras , referindo que promoveria a fusão de sistemas multimunicipais, integrando os sistemas em baixa nesses sistemas fundidos, e promovendo, aí, a entrega da gestão dos sistemas ao setor privado, através de concessões. Ora, o que o PEV sempre referiu é que a entrega da gestão da água a concessionários privados representaria atribuir-lhes o direito de decidir sobre o setor da água em função dos seus objetivos de mercado e, no fundo, de privatizar. Quem gere os sistemas, gere e condiciona a forma de fazer chegar o recurso água às pessoas, gere o seu acesso e gere o saneamento. Para além do mais, essas concessões não duram meia dúzia de anos, duram décadas!
Uma das questões que o PEV insistiu para que ficasse contida na posição conjunta assinada com o PS, após as eleições legislativas, foi justamente a reversão da reestruturação do setor da água que o Governo anterior tinha imposto. O atual Governo PS tem vindo a proceder a essa reversão, e Os Verdes consideram que é determinante afirmar que aquela nunca pode ser feita contra a vontade das autarquias em relação a agregação ou não agregação de municípios e sistemas.

Os Verdes reafirmam que a água é um direito, não é uma mercadoria, logo a lógica de mercantilização e de lucro não se adequa à gestão de um direito fundamental que a nenhum ser humano podemos admitir que seja negado! Por isso nos devemos também opor a um modelo neo-liberal que, fazendo de todos os direitos um negócio, deixa de fora do acesso à água potável 884 milhões de pessoas e 2,6 milhares de milhão sem acesso a saneamento básico, levando a que 1,5 milhões de crianças, com menos de 5 anos, morram por doenças relacionadas. Uma vergonha mundial!

Em dezembro de 2015 A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma nova Resolução sobre o direito humano à água, salientando a necessidade de garantir acesso e segurança de todos à água potável e ao saneamento. Os novos objetivos de desenvolvimento do milénio, com novas metas traçadas para 2030, mantêm o acesso à água como um dos objetivos centrais.

Os Verdes têm, através de diversos instrumentos, procurado dar corpo à fixação do princípio da não privatização da água, para que a nossa sociedade fique salvaguardada a curto, médio e longo prazo de eventuais apetites políticos e económicos em relação a essa matéria. Assim, o Grupo Parlamentar Os Verdes retoma o seguinte Projeto de Resolução, já apresentado na legislatura anterior, tendo obtido os votos favoráveis do PS, PCP, BE e PEV, mas os votos contra do PSD e do CDS – tendo em conta a correlação das forças parlamentares de então, o projeto foi chumbado, havendo, contudo, na presente legislatura, condições para a sua aprovação. Recomenda-se, assim, a observância do direito à água e ao saneamento:

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo:

1. A defesa da gestão pública da água, designadamente garantindo que os sistemas associados ao abastecimento e saneamento se mantenham na esfera pública.
2. Que as entidades que fazem a gestão dos sistemas de abastecimento e saneamento sejam sempre total ou maioritariamente públicos.
3. Que qualquer alteração que seja introduzida nos modelos de gestão da água, não ponha em causa as competências das autarquias locais nesta matéria.
4. A garantia do acesso universal das populações ao abastecimento de água e a sistemas de saneamento.
5. Que os modelos de gestão da água visem, de forma prioritária, a preservação deste recurso, nomeadamente impedindo a degradação da sua qualidade na origem, evitando, assim, elevar custos de tratamento.
6. Que os modelos de gestão da água sejam eficientes e permitam que o custo da água seja o mais baixo possível, refletindo-se na menor tarifa possível.
7. A garantia que as tarifas da água sejam socialmente justas, ajustadas à capacidade que as famílias detêm, de modo a que ninguém fique privado do acesso à água por razões económicas.
8. Que seja implementado com urgência o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água e que a Assembleia da República conheça trimestralmente, por via do Governo, a sua fase de implementação.
9. Que o Governo português proponha e apoie, ao nível internaional, as Resoluções da Assembleia das Nações Unidas sobre o direito humano à água e ao saneamento.
10. Que o Governo português, ainda ao nível internacional, se oponha terminantemente a qualquer tentativa de se imporem mecanismos de mercantilização e de privatização da água.

Acompanhe aqui a evolução deste Projeto de Resolução. 
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