Em 2009, o Hospital de São Bernardo, em Setúbal, implementou um serviço, de forma inovadora em Portugal, de partos naturais com recurso a imersão na água, comummente designado como parto em meio subaquático ou parto na água.
Foram, nesta unidade hospitalar, realizados 92 partos com esta característica e não se encontra registada a ocorrência de qualquer problema de segurança, nem para os bebés nem para as mães. Porém, em julho de 2014 esse serviço foi encerrado depois de, segundo o que veio a público, um médico obstetra, contrário à prática do parto em meio subaquático, ter pedido parecer à Ordem dos Médicos, tendo-se esta manifestado desfavorável, e de, nessa sequência, a Direção Geral de Saúde entender que a decisão de manter ou encerrar o serviço de partos na água era do Diretor de obstetrícia do próprio hospital. A Ordem dos Médicos alegava fundamentalmente que faltava uma base científica que assegurasse os benefícios do parto na água. Repare-se que, por seu turno, a Direção Geral de Saúde (à semelhança do que faz a Organização Mundial de Saúde) não encontrava base científica para impedir a prática do parto em meio subaquático, deixando ao critério do próprio hospital a continuidade do serviço ou o seu encerramento.
A verdade é que o parto em meio subaquático é praticado recorrentemente em diversos países, designadamente da Europa. Em 1992, o Parlamento do Reino Unido elaborou e aprovou um relatório que defendia que todas as mulheres deveriam ter o direito de opção em relação ao parto na água. Desta última afirmação destacamos a expressão «todas as mulheres». Isto porque a verdade é que o parto na água se pratica também em Portugal, mas apenas em maternidades privadas. Assim sendo, essa opção não se aplica a «todas as mulheres» grávidas, porque depende das suas condições económicas e, consequentemente, da sua capacidade de pagar o parto no setor privado. Há, pois, uma questão de desigualdade evidente que não pode ser ignorada.
Sabe-se que há situações em que o parto em meio subaquático não pode mesmo ser praticado, na medida em ele só pode ocorrer nos casos de parto natural em gravidezes de baixo risco. Trata-se, efetivamente, de uma questão de segurança que tem obrigatoriamente de ser acautelada e, nos casos contrários, não se põe sequer a questão de opção. Porém, tratando-se de gravidezes de baixo risco e de parto natural essa opção é, de facto, negada à generalidade das mulheres grávidas.
Ao parto em meio subaquático são associadas vantagens como o facto de a imersão em água quente ajudar ao relaxamento da mulher grávida e à diminuição dos seus níveis de ansiedade e de dor, ajudar a dilatação, diminuir o recurso a técnicas como a episiotemia, as induções de parto, a administração de epidural, o uso de fórceps ou de ventosas. Para o bebé é normalmente apontado o facto de haver uma transição mais suave para o mundo exterior, encontrando na água, ainda ligado pelo cordão umbilical, um ambiente mais semelhante àquele que conhecia no interior da placenta. A Ordem dos Enfermeiros considera que, garantindo excelência na assistência profissional, o parto na água pode mesmo ser incentivado nas situações em que pode ser realizado.
Em termos de riscos, aquele que é normalmente mais apontado é o facto de, no caso de surgir alguma complicação no parto, as mulheres se encontrarem dentro de água tornando menos pragmático o seu auxílio. Já em relação ao bebé tem-se revelado que os riscos decorrentes do parto debaixo de água se equiparam àqueles realizados fora de água, em contexto hospitalar evidentemente. A condição que o parto em meio subaquático deve requerer, inquestionavelmente, é o esclarecimento cabal da mulher grávida e a sua realização mediante prévio consentimento informado.
Em outubro de 2014, deu entrada na Assembleia da República a Petição nº 432/XIII/4ª, que pedia a «manutenção dos partos na água no hospital de São Bernardo, em Setúbal, e a extensão desta opção a outros hospitais públicos». A discussão em Plenário desta Petição deu-se em junho de 2015 e na sala do hemiciclo foi possível compreender que não houve objeções de princípio por parte dos diversos Grupos Parlamentares à prática do parto em meio subaquático no Serviço Nacional de Saúde. Da parte do PEV a intervenção terminou com a seguinte ideia: «a matéria dos partos na água, como realidade no Hospital de São Bernardo e noutros hospitais públicos portugueses, tem, certamente, de voltar a debate na Assembleia da República». É essa continuidade de debate, consequente, que o PEV pretende promover no Parlamento com o Projeto de Resolução que agora apresenta, com as seguintes determinações:
A Assembleia da República delibera, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, recomendar ao Governo que:1. A Direção Geral de Saúde elabore um relatório sobre o parto em meio subaquático, designadamente relatando estudos existentes e respetivas conclusões, orientações da Organização Mundial de Saúde, experiências de outros países e em Portugal, condições para a sua prática no Serviço Nacional de Saúde.
2. O referido relatório, sobre o parto em meio subaquático, seja remetido à Assembleia da República, assim que estiver concluído.
3. A Direção Geral de Saúde elabore um guia informativo sobre o parto em meio aquático, destinado a futuras mães e pais, de modo a garantir o direito de opção consciente.
4. Seja definido e criado um projeto piloto, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, protocolado com dois hospitais – um no norte e outro no sul –, que permita a experiência de prática do parto em meio aquático, com o consentimento informado das mulheres grávidas e em condições de segurança, com equipas médicas e de enfermagem especializadas.
Assembleia da República, Palácio de S. Bento, 16 de junho de 2017.
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