Exposição de MotivosA sociedade está cada vez mais alerta para o uso de animais para fins científicos. De facto, verifica-se uma crescente preocupação dos cidadãos nacionais face à experimentação animal e uma crescente consciência de que os cidadãos, enquanto financiadores e beneficiários da ciência, devem ter um papel ativo na definição das linhas gerais da mesma.
Este interesse é transversal a toda a Europa, motivação que esteve na origem da petição entregue na Comissão Europeia, em março de 2015, com 1,2 milhões de assinaturas reclamando a substituição imediata do uso de modelos animais em investigação científica, independentemente da sua finalidade.
A experimentação animal tem sido um método tradicional de investigação biomédica. Porém, é cada vez mais claro que o retorno deste investimento tem vindo, progressivamente a diminuir. Paralelamente, a ciência tem-nos vindo a dotar de um número cada vez maior de alternativas à experimentação animal, que se revelam muito superiores aos modelos animais. De referir, como exemplo, um estudo levado a cabo pela divisão de toxicologia do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Uppsala (Suécia) que compara a eficácia de 68 métodos para estudar toxicidade, concluindo que os modelos animais apresentam resultados muito menos fiáveis que os modelos in vitro.
Hoje, já muito do que se investiga no animal se investiga também no sistema humano. Utilizam-se combinações complexas de tecnologias in vitro e in silico, por exemplo, para explorar a toxicidade de novas substâncias, a permeabilidade da placenta humana, biologia molecular e celular e previsão de tratamentos clínicos em pacientes específicos. Têm-se desenvolvido novas tecnologias de biomonitorização para monitorizar aspetos da biologia, química e fisiologia humana, que de outra forma não seria possível.
Só no ano de 2009, a União Europeia disponibilizou um fundo de 50 milhões de euros para que as equipas de investigação europeias desenvolvessem métodos alternativos à experimentação animal, relacionada com cosméticos e indústrias da área, tendo sido desta forma que se permitiu o fim da experimentação animal na Europa, na indústria cosmética. Assim, a evolução das técnicas tem sido, ainda que a ritmos díspares, acompanhada por legislação no sentido de encontrar alternativas à experimentação animal para fins científicos e comerciais.
Em Portugal, no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, existe uma equipa de investigadores que cria sistemas celulares tridimensionais que imitam um estômago. O projeto tem uma forte componente de nanotecnologia e, futuramente, pode significar uma alternativa à experimentação animal.
A publicação da Diretiva 2010/63/UE veio estabelecer medidas para a proteção dos animais utilizados para fins científicos ou educativos, estabelecendo regras sobre a substituição e redução da utilização de animais em procedimentos e o refinamento da criação, do alojamento, dos cuidados a prestar e da utilização de animais em procedimentos; a origem, a criação, a marcação, os cuidados a prestar, o alojamento e a occisão dos animais; as atividades dos criadores, fornecedores e utilizadores e por fim, a avaliação e a autorização de projetos que envolvam a utilização de animais em procedimentos.
Na presente diretiva é referido igualmente que existem novos conhecimentos científicos relativamente aos fatores que influenciam o bem-estar dos animais, como seja a capacidade dos mesmos para sentir e manifestar dor, sofrimento, angústia e dano duradouro. Como tal, reveste-se de extrema importância que seja alcançado o objetivo final de substituir totalmente os procedimentos com animais vivos para fins científicos e educativos, tão rapidamente quanto for possível fazê-lo do ponto de vista científico. A diretiva procura ainda facilitar e promover o desenvolvimento de abordagens alternativas, assim como garantir um elevado nível de proteção dos animais que ainda seja necessário utilizar nos procedimentos.
A transposição da Diretiva 2010/63/UE foi operada através do Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto, que vem estabelecer também a obrigatoriedade de se constituir um órgão responsável pelo bem-estar dos animais, em cada estabelecimento e uma Comissão Nacional para a Proteção dos Animais utilizados para Fins Científicos (CPAFC).
Com base neste Decreto-Lei, esta Comissão Nacional tem funções de aconselhamento da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e dos órgãos responsáveis pelo bem-estar dos animais (ORBEA), sobre as questões relacionadas com os cuidados a prestar aos animais e a utilização destes em procedimentos, promovendo ainda os melhores princípios e práticas que visem promover a substituição do uso de animais, por metodologias alternativas, redução do número de animais, quando não é possível essa substituição e refinamento do uso de animais – política dos 3Rs –, com base em princípios éticos e científicos.
Apesar do Decreto-Lei ter sido publicado em 2013, apenas a 6 de outubro de 2016, foi fixada a composição e o funcionamento da Comissão Nacional para a Proteção dos Animais utilizados para Fins Científicos (CPAFC) com a publicação da Portaria n.º 260/2016.
Em 2010 foi também publicada a Resolução da Assembleia da República n.º 96/2010 que recomendava ao Governo a criação de uma rede nacional de biotérios que forneçam animais para investigação científica e que promova a implementação da política dos 3Rs, da responsabilidade da DGAV, que divulga os seguintes dados estatísticos relativos à utilização de animais para fins experimentais em Portugal: em 2011, 46.556 animais foram utilizados para fins científicos; no ano de 2010, o número total de animais utilizados era bem mais elevado (67.359), tal como em 2009 (63.451); Entre 2011 e 2014 verificou-se uma diminuição significativa: foram utilizados 25.606 animais.
A nível europeu, os dados estatísticos relativos a esta matéria são divulgados pela Comissão Europeia (CE), que os publica em relatórios. O mais recente apresenta números de 2011, e indica que um total de 11.481.521 animais foram utilizados em experiências científicas, menos 500.000 (4.3%) do que em 2008, ano do último documento divulgado.
A falta de recursos das entidades competentes, neste caso, da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), é preocupante muito também pela falta de divulgação de informação. Foi com essa preocupação, e por sempre termos entendido que o conhecimento da realidade é um passo determinante para se adotarem políticas que promovam a solução dos problemas identificados ou que adequem as práticas humanas às necessidades de uma sociedade sempre mais sustentável, que Os Verdes solicitaram em abril de 2016, ao Ministério da Agricultura, dados que permitam ter uma perceção real do que se passa em Portugal, no que à experimentação animal diz respeito.
No entendimento do Grupo Parlamentar do PEV, perante a legislação existente, e ainda que não seja possível a substituição total dos animais nos procedimentos, é necessário pugnar para que exista um sério reforço e aprofundamento da formação contínua e creditada nas instituições nas quais são criados, mantidos e utilizados os animais para fins científicos, e de todos os envolvidos nos processos de experimentação animal, dotando-os das competências necessárias para aplicar as melhores práticas de bem-estar animal, bem como as mais rigorosas metodologias experimentais. Por fim, o incentivo ao investimento no desenvolvimento de metodologias e técnicas alternativas mais adequadas, mais precisas, fiáveis e aplicáveis às patologias humanas, com base na política dos 3Rs.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:1 – Promova o investimento para o desenvolvimento de alternativas ao uso de animais para fins experimentais e outros fins científicos, dando cumprimento desta forma a uma efetiva implementação da política dos 3Rs, conforme plasmado no Decreto-Lei nº 113/2013.
2 – Sejam reforçados os meios técnicos e humanos da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), para que esta assegure o cumprimento efetivo da legislação em vigor, bem como o licenciamento e supervisão de formação, instalações, pessoas e projetos ligados à experimentação animal de modo célere e competente, promovendo desta forma transparência e controlo nas práticas de experimentação animal.
3 – Promova a divulgação de informação e a devida articulação entre as diversas entidades ligadas à experimentação animal, nomeadamente entre a Comissão Nacional e os órgãos responsáveis pelo bem-estar dos animais (ORBEA), pugnando para que nas instituições onde ainda não estejam criados estes órgãos, os mesmos sejam o mais rapidamente possível instituídos, no sentido de garantir que os protocolos autorizados e financiados, se encontram a ser devidamente implementados, maximizando assim o bem-estar animal.
4 – A Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) disponibilize em tempo útil os relatórios e a informação atualizada relativa à utilização de animais para fins experimentais.
Acompanhe
aqui a evolução desta iniciativa legislativa.