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02/03/2018 |
Reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 177/XIII – financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais - DAR-I-55/3ª |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira - Assembleia da República, 2 de março de 2018
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tudo indica que chegou a altura de colocar um ponto final numa discussão que foi alimentada por ingredientes pouco saudáveis à nossa democracia e que, em bom rigor e lamentavelmente, apenas contribuíram para descredibilizar os partidos políticos e, sobretudo, para descredibilizar esta Assembleia. Vamos aos factos ou, melhor, vamos aos ingredientes.
Primeiro, ouvimos vozes dizer que as alterações à lei eram inconstitucionais. Sucede que, até hoje, ninguém foi capaz de identificar a norma da nossa Constituição que está em causa com estas alterações. Sobre esta matéria, silêncio absoluto. Mas nós percebemos o porquê desse silêncio. Ninguém identificou a norma constitucional apenas e tão só porque não há qualquer confronto com a nossa Constituição. Ainda assim, a questão da inconstitucionalidade dessas alterações alimentou a discussão durante semanas. Ora, este exemplo mostra de forma muito clara o caminho distorcido que a discussão conheceu. Por isso, falamos de ingredientes pouco saudáveis à nossa democracia.
Depois, veio a conversa do grupo de trabalho, como se não fosse habitual no processo legislativo a existência de grupos de trabalho. Sim, houve um grupo de trabalho, como sempre houve, como há, e como continuará a haver nos variadíssimos processos legislativos, nos mesmos termos, com as mesmíssimas regras de funcionamento e com o mesmo objetivo.
De seguida, veio a conversa do secretismo quando, afinal, todos os grupos parlamentares participaram nesse grupo de trabalho. O Deputado do PAN não participou seguramente por opção, porque poderia ter solicitado a sua participação no grupo de trabalho, mas não o fez.
Mas, mais: o agendamento desta lei foi feito por consenso na Conferência de Líderes, sem oposição de qualquer força política, incluindo as forças que votaram contra estas alterações. E o mesmo se diga quanto aos tempos distribuídos para a sua discussão.
De facto, a grelha estabelecida para a discussão destas alterações foi também consensual na Conferência de Líderes, que, inclusivamente, foi sensível à solicitação do PAN, que requereu tempo para essa discussão, mas que afinal acabou por não utilizar. Portanto, sobre os ingredientes que a discussão conheceu, em termos processuais, estamos devidamente esclarecidos.
Quanto ao conteúdo das alterações, importa, antes de mais, ter presente que a lei atualmente em vigor apresenta problemas do ponto de vista da sua conformidade com a nossa Constituição, problemas que inclusivamente foram sinalizados pelo próprio Tribunal Constitucional e que o diploma que agora reapreciamos vem definitivamente resolver.
Sobre as propostas de alteração agora apresentadas, quero dizer que Os Verdes sempre defenderam um sistema de financiamento semipúblico dos partidos e, portanto, não nos parece fazer sentido que se imponham limites à própria atividade dos partidos com o objetivo de angariar fundos.
Ou seja, desde que essa angariação de fundos obedeça aos critérios da transparência e da fiscalização, não vemos qualquer motivo para limitar a própria atividade dos partidos políticos e, por isso, consideramos desprovido de qualquer sentido limitar ou estabelecer fundos ou tetos para a angariação de fundos por parte dos partidos políticos.
Relativamente ao IVA, o que se pretendia era evitar que fosse a Autoridade Tributária a decidir quais as ações que encaixam no conceito de atividade partidária.
O que se pretende é retirar o poder discricionário da Autoridade Tributária para decidir, por exemplo, que, em alguns casos, um congresso ou a convenção de um determinado partido encaixa no conceito de atividade partidária enquanto noutros casos decide que não encaixa, como, de resto, aconteceu com o Partido Ecologista «Os Verdes». Ou seja, às vezes encaixa nesse conceito, outras vezes não. Para alguns partidos encaixa sempre, para outros, nem por isso. Ora, é exatamente isso que se pretende evitar.
Face ao que fica dito, Os Verdes acompanham as propostas de alteração que visem clarificar o regime do IVA, ou seja, a norma transitória proposta pelo PSD, a proposta do Bloco de Esquerda e a proposta do Partido Socialista.
Mas não acompanhamos as alterações propostas pelo CDS e pelo PAN, que, aliás, são exatamente iguais, sem tirar nem pôr, sendo que ficamos sem compreender as razões que levam os proponentes a querer limitar a ação, as atividades e as próprias dinâmicas dos partidos políticos, com vista à angariação de fundos.
Por nós, preferimos dar espaço aos partidos para angariar os seus fundos, porque não esperamos nem aceitamos que venha um qualquer santo, vindo não se sabe de onde, contribuir para as finanças dos partidos, seja o Sr. Jacinto, seja o Sr. Leite ou seja o Sr. Capelo. Se vier, só será aceite se estiver dentro da lei e devidamente identificado, com toda a transparência, como se exige num Estado de direito democrático.