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02/12/2015 |
Sobre o Programa do XXI Governo Constitucional - pede esclarecimentos ao Primeiro-ministro António Costa |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
Sobre o Programa do XXI Governo Constitucional - pede esclarecimentos ao Primeiro-ministro António Costa
- Assembleia da República, 2 de dezembro de 2015 –
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, quero começar por cumprimentá-lo, em nome do Grupo Parlamentar Partido Ecologista «Os Verdes», assim como todas as Sr.as e todos os Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados.
Sr. Primeiro-Ministro, esta questão que quer o PSD quer o CDS hoje trouxeram para encher os seus discursos aqui, na Assembleia da República, no debate sobre o Programa do Governo — e refiro-me à questão da legitimidade do Governo —, não se coloca, Sr. Primeiro-Ministro, porque o PSD e o CDS não considerem que o Governo não seja, de facto, legítimo. Eles sabem que o Governo tem legitimidade política, como é evidente. Aquilo que eles não querem que se prove é que pode existir, em Portugal, uma política alternativa, diferente daquilo que eles fizeram. É esse o pavor que eles têm. E é por isso que consideram que não há legitimidade para praticar uma política diferente, uma política que traga resultados diferentes daqueles que trouxe, neste caso, a governação do PSD e do CDS.
É evidente que há legitimidade quando estão eleitos 230 Deputados, e quando PSD e CDS, sozinhos, não conseguem uma maioria na Assembleia da República e não têm, pura e simplesmente, nenhuma outra força política que lhes dê a mão, porque as outras forças políticas comprometeram-se com uma mudança. Então, Sr. Primeiro-Ministro, é para essa mudança que nós temos de trabalhar.
E para trabalhar para essa mudança, Sr. Primeiro-Ministro, há uma primeira coisa que temos de fazer: uma política de verdade. Acabou a política da mentira e da ilusão. Não pode continuar mais, Sr. Primeiro-Ministro!
Não pode haver, num ano, 100 000, 150 000 pessoas a emigrar e o Governo continuar a dizer que o nível da emigração não é nada de especial, porque, no passado, sempre foi assim. Não pode haver mais 800 000 pobres e o Governo erradicar do seu discurso o nível de pobreza que existe, em Portugal. Não pode um Governo dizer que uma sobretaxa vai ser devolvida aos portugueses em 35%, quando, na verdade, sabia já, na altura, que o resultado seria zero. Sabia já, na altura, Sr. Primeiro-Ministro! Não pode um Governo dizer que isto, agora, anda tudo a galope no crescimento económico, quando o INE nos vem dizer que a estagnação do crescimento económico está à vista.
Sr. Primeiro-Ministro, esta é a primeira questão: uma política de verdade.
A segunda questão, Sr. Primeiro-Ministro, é esta: para Os Verdes, há um compromisso fundamental e prioritário com o País que é o combate às desigualdades — e a dois níveis. Um deles tem obviamente a ver com a matéria da pobreza.
O PSD e o CDS procuraram criar um modelo em que era fundamental que uma faixa determinada da população caísse na pobreza para esse mesmo modelo se sustentar. E não apenas que caísse na pobreza, mas que se mantivesse na pobreza, que se habituasse a esse nível de pobreza, para que o seu modelo pudesse funcionar, um modelo de serviço ao grande poder económico e financeiro. E isto não é um modelo sustentável para o País.
É por isso que lhe peço, Sr. Primeiro-Ministro, que discrimine aqui algumas medidas essenciais para combatermos a pobreza no curto e no médio prazos.
É evidente que o descongelamento das pensões é uma questão prioritária, é evidente que o aumento do salário mínimo nacional é fundamental, é evidente que a reposição dos salários que foram roubados é fundamental, mas há mais medidas, Sr. Primeiro-Ministro. Como é que vamos inverter este ciclo de empobrecimento das pessoas, no País?
Há ainda outra matéria fundamental naquilo que se refere ao combate às desigualdades, que tem a ver com as assimetrias regionais no País.
Pura e simplesmente, PSD e CDS trabalharam para esquecer uma boa parte do nosso território nacional e as potencialidades que esse território e as pessoas que estão nesse território têm para oferecer ao crescimento e ao desenvolvimento do País. E é evidente que, se são fundamentais os serviços públicos, o investimento e o incentivo à instalação de empresas no interior do País, há outra matéria que é fundamental, que é a matéria da mobilidade, dos transportes. E fundamentalmente agora que ocorre a Cimeira de Paris e que se discutem os efeitos e as consequências das alterações climáticas e que nós sabemos também que o setor dos transportes é dos maiores emissores de gases com efeito de estufa, então, Sr. Primeiro-Ministro, o setor dos transportes tem de ser uma prioridade, em Portugal, quer na lógica urbana, quer na lógica da ligação do País.
Ora, o transporte ferroviário é uma peça-chave nesta mobilidade que se quer mais ecológica, mais amiga do ambiente e mais amiga das pessoas, porque lhes permite justamente essa mobilidade que lhes é negada.
Gostava também de um comentário do Sr. Primeiro-Ministro sobre aquilo que o Programa do Governo tem para oferecer nesta matéria.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, quero também saudar, em si, o Grupo Parlamentar Partido Ecologista «Os Verdes» e o apoio e o contributo que deram para a criação de uma solução de suporte maioritário a este Governo na Assembleia da República.
A direita começou por confundir aritmética com economia. Por isso, achou que, se cortasse na despesa, diminuiria seguramente o défice, desconhecendo o efeito que o ter ido além da troica teve em 2012, e achou que, se aumentasse simplesmente os impostos, aumentaria a receita, desconhecendo o efeito que isso teve na economia.
A verdade é que o ter ido além da troica e o enorme aumento de impostos em 2012 teve como resultado um enorme efeito recessivo na economia, que não diminuiu o défice, pelo contrário, agravou o défice e aumentou o endividamento do País.
A direita acreditou que tinha mudado o paradigma do nosso modelo de desenvolvimento, chegou até a ser anunciado que hoje crescíamos com base nas exportações e que as importações tinham diminuído, simplesmente porque tinham cortado os salários e tinham aumentado o empobrecimento do País.
Ora, mudar o paradigma do desenvolvimento não é ficarmos todos tão pobres que não podemos comprar nada, nem aquilo que é importado nem aquilo que é produzido nacionalmente.
É por isso que aquilo que temos verificado nos últimos anos é que, apesar de ter havido um aumento do consumo, ele não foi sustentado saudavelmente no aumento do rendimento mas no aumento do endividamento, e não contribuiu para um aumento da produção nacional mas simplesmente para um aumento das importações.
O modelo que a direita tinha dito que era um modelo que tinha funcionado não funcionou, não resultou e nós temos de virar a página a essa política.
É por isso que é necessário afirmar uma alternativa. Perguntam: «Mas como é que se paga?» Paga-se precisamente porque, se tivermos uma economia a funcionar, temos melhores condições para aumentar a receita e temos melhores condições para diminuir a despesa.
Não queremos diminuir a despesa com o subsídio de desemprego porque cortamos o acesso ao subsídio de desemprego a quem está desempregado. Queremos que haja uma diminuição da despesa com o subsídio de desemprego porque queremos que haja menos desempregados e mais emprego, mais pessoas empregadas e a trabalhar.
Não queremos aumentar a receita fiscal por via do aumento da carga fiscal mas por via do aumento do rendimento, do aumento das pessoas que têm rendimentos, do aumento do número de contribuintes, para, assim, podermos ter finanças públicas consolidadas de um modo mais saudável.
É essa alternativa que temos de construir e esse virar de página que temos de fazer.
E tem razão, Sr.ª Deputada, eles recusam-se a aceitar essa evidência, a de que havia uma alternativa. Por isso acreditaram que podiam estar hoje a governar, e podiam estar hoje a governar contra a vontade da maioria do povo português. Mas a resposta que fomos capazes de dar foi a de termos conseguido transformar numa maioria de suporte a um governo aquilo que foi a maioria eleitoral expressa pelos portugueses nas eleições. E é isso que dá a legitimidade e é isso que dá a força política e democrática a esta política.
O combate à desigualdade, em particular à pobreza, é prioritário. Claro que, antes da pobreza, não podemos aceitar a continuação do empobrecimento salarial. Assim, o combate à desigualdade passa pelo salário mínimo, mas passa por outro fator fundamental, que é o de desbloquear a contratação coletiva, porque a contratação coletiva é essencial para reequilibrar as relações de poder nas empresas e podermos ter, de uma forma mais saudável e ajustada a cada setor, uma melhor progressão salarial.
Mas temos medidas específicas de combate à pobreza, a saber: o restabelecimento do âmbito de acesso ao complemento solidário para idosos e ao rendimento social de inserção; uma estratégia nacional de combate à pobreza infantil e juvenil; e a previsão de uma nova prestação social dirigida especificamente aos trabalhadores, àqueles que, descontando rendimentos do trabalho, chegam ao final do ano e se encontram abaixo do limiar de pobreza e que hoje, de uma forma ofensiva para o que é a dignidade do trabalho, já são 10% das pessoas que fazem descontos de rendimentos do trabalho.
Ora, é inaceitável numa sociedade decente que quem trabalhe se encontre, no final do ano, abaixo do limiar de pobreza. Isso tem de ser compensado e essa nova prestação tem de ser introduzida para combater os níveis de pobreza, em Portugal.
Finalmente, a aposta na ferrovia é essencial, como a aposta no transporte público em geral é fundamental. E é hoje uma aposta decisiva também, essencialmente, por questões ambientais.
É por isso que, na nova orgânica do Governo, fizemos uma alteração da maior importância, que foi passar a tutela dos transportes públicos urbanos do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas para o Ministério do Ambiente. Isto porque queremos que haja um investimento decisivo na melhoria do ambiente urbano e porque o grande desafio civilizacional das alterações climáticas perde-se ou ganha-se nas cidades — e perde-se ou ganha-se nas cidades em função da eficiência energética que seja possível adquirir nas cidades. E, aí, em dois domínios fundamentais: a eficiência energética do edificado, e daí a prioridade à reabilitação, e a eficiência energética na mobilidade, e daí a aposta no transporte público e a unificação desta política de ambiente urbano na tutela do Ministério do Ambiente, para que essa possa ser um motor importante de um novo paradigma energético em Portugal e de uma nova aposta na qualidade do ambiente e do contributo de Portugal para a melhoria das condições de combate às alterações climáticas. Essa é também uma prioridade da ação política deste Governo.