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Intervenções na Ar (Escritas)
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16/03/2017
Transferência de competências para as autarquias locais (DAR-I-64/2ª)
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta-nos hoje, para discussão, uma proposta que pretende proceder à transferência de significativas competências do Estado para a gestão das autarquias e outras que ainda virão, como sejam a da floresta ou a das áreas protegidas.

Como elemento central desta discussão, Os Verdes pretendem reafirmar que a descentralização, a nosso ver, não deve perder de vista a criação das regiões administrativas e que deve ter como pressuposto a defesa e a valorização da autonomia do poder local, sempre na perspetiva de melhor responder às necessidades das populações e de promover a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos.

A descentralização não pode, nem deve, ser encarada como uma forma de desresponsabilizar o Estado central das suas funções. A descentralização não pode ocorrer só porque o Estado não quer, ou não consegue, dar resposta ao que pretende descentralizar. E, face à proposta que está em discussão, Os Verdes não podem deixar de registar as muitas e sérias reservas e preocupações que ela nos oferece.

Em primeiro lugar, porque algumas destas transferências incidem em áreas que a nossa Constituição inclui nas Funções sociais do Estado, desde logo, a saúde e a educação. Estamos, portanto, a falar de áreas que a Constituição elegeu como fundamentais para a nossa qualidade de vida e bem-estar e que devem, por isso mesmo, ser asseguradas de forma universal a todos os cidadãos e em todo o território.

Por outro lado, esta descentralização — diz-se na proposta — pretende aproximar a gestão dos cidadãos, mas as propostas de transferência na área da educação, por exemplo, contrariam completamente este propósito.

O Governo está a propor retirar competências que atualmente são asseguradas pelas escolas para as passar para a gestão das autarquias. Sucede que quem mais perto está dos alunos, das famílias e quem melhor conhece e domina os problemas das escolas são exatamente os órgãos das escolas e os professores.

Aliás, na área da educação, o atual Governo está a dar continuidade ao processo de municipalização que o Governo anterior avançou em 15 municípios-piloto.

Mas, hoje, já nos vão chegando os ecos dos casos-piloto e as queixas dos professores são mais que muitas, para além de a autonomia das escolas estar a ficar comprometida, como é o caso de Sousel, no distrito de Portalegre, onde a autonomia da escola está a ser completamente posta em causa.

Acresce, ainda, que esta proposta pode potenciar uma gestão desligada das estratégias políticas nacionais, onde age cada um à sua maneira no seu local, cada um por si. Esta questão é particularmente importante, sobretudo ao nível da educação, da saúde, da cultura ou da conservação da natureza.

Para além disso, há decisões políticas em certos setores, que exigem um nível de conhecimento técnico que devem ser tomadas por quem o detém, sendo que esse conhecimento não está, nem pode ser, disperso. Aliás, ainda ontem, no debate do Fórum do Património, promovido pela plataforma de associações desta área, esta matéria foi muito focada. Hoje, a decisão é suportada por uma cadeia hierárquica técnica especializada que é fundamental, mas que corre o risco de ser quebrada.

Portanto, em jeito de conclusão, gostaria de dizer que Os Verdes defendem a descentralização e são favoráveis ao reforço do poder local, mas há nesta proposta muita coisa que não está esclarecida, nem balizada, ficando tudo em aberto para posteriores diplomas.

Como nem nas autarquias, nem no Estado se fazem omeletes sem ovos, seria fundamental garanti-los, mas a proposta não os garante. Mais: se, até agora, muita coisa não tem corrido bem com a gestão do Estado, isso não se deve à estrutura que gere, mas, sim, à falta de meios.

Deixo dois exemplos: na educação, os problemas de falta de auxiliares nas escolas não advêm de quem gere, mas do facto de não serem contratados mais auxiliares; na cultura, a recuperação do património tanto é bem feita localmente, como ao nível nacional e com grandes níveis de cooperação, aliás, entre os dois patamares. O seu abandono deve-se mais à falta de dinheiro do Orçamento do Estado para a cultura do que a qualquer outro motivo.
Portanto, não será a descentralização que irá resolver o problema; pelo contrário, poderá até retirar o saber que é muito técnico e centralizado. As autarquias, não tendo esse saber, terão forçosamente de recorrer ao privado, gastando ainda mais dinheiro.

Por outro lado, esta descentralização pode levar a que haja decisões que passem a ser tomadas ao acaso, em função do local, sem qualquer estratégia nacional, em áreas e matérias onde esta estratégia é fundamental para garantir não só os mesmos direitos a todos os cidadãos, como também para gerir o saber, o conhecimento, a reflexão, em termos de desenvolvimento nacional e também em termos de recursos.

Como se vê, tudo isto precisa de mais debate, de mais reflexão. Nesta matéria, não pode haver pressas, tem de haver o envolvimento dos profissionais, das autarquias, das associações e das organizações representativas dos trabalhadores, sem nunca perder de vista a previsão constitucional da criação das regiões administrativas.
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