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20/10/2009 |
Projecto de Lei Nº. 16/XI LIMITES PARA A EXPOSIÇÃO HUMANA AOS CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS, ORIGINADOS POR LINHAS E INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS DE MÉDIA, ALTA E MUITO ALTA TENSÃO |
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Nota justificativa
“Os Verdes” apresentam este projecto de lei com a plena consciência de que existem estudos científicos contraditórios em relação aos efeitos graves sobre a saúde humana dos campos elecromagnéticos. E é face a essa contradição, e ao muito que se tem divulgado e decidido sobre a questão, que este Grupo Parlamentar considera que só há, nesta matéria, um caminho responsável a seguir: a aplicação do princípio da precaução.
O princípio da precaução determina isso mesmo: que face à necessidade de gerir e diminuir os riscos, e tendo em conta graus de incerteza científica, é preciso actuar no sentido de evitar os riscos, sem ter que aguardar por resultados de novas investigações ou por certezas científicas unânimes.
Só no início deste século já saíram vários estudos que associam a exposição a campos electromagnéticos e o risco de leucemia, especialmente a infantil, como estatisticamente significativos (conclusões de estudos de vários investigadores publicadas no British Journal os Cancer, 2000; conclusões de estudos do grupo de estudo da National Radiological Protection Board, 2001; conclusões de estudos do conselho de saúde da Holanda, 2001; conclusões de estudos do comité científico da Agência Internacional de Investigação do Cancro, 2002; conclusões de estudos do grupo de trabalho da Biotecnologia, USA, 2007, entre tantos outros exemplos que se poderiam dar).
Em 2002, a Agência Internacional de Investigação do Cancro publicou uma monografia na qual os campos magnéticos ELF são classificados como possivelmente carcinogénicos para humanos. Esta classificação é usada para designar um agente para o qual existe uma evidência limitada de carcinogénese em humanos; foi baseada na análise de dados agregados de estudos epidemiológicos que demonstram um padrão consistente no aumento em duas vezes na leucemia infantil, associado a uma exposição média residencial, a campos magnéticos na frequência da rede, acima de 0,3 a 0,4 micro Tesla. A Organização Mundial de Saúde concluiu que estudos adicionais, desde então, não modificaram esta classificação.
A maioria da rede eléctrica opera à frequência de 50 ou 60 ciclos por segundo, ou Hertz (Hz). Na proximidade de certos equipamentos eléctricos, o valor de campo magnético pode ser da ordem de algumas centenas de micro Tesla. Sob linhas de transmissão, os campos magnéticos podem ser da ordem de 20 micro Tesla e os campos eléctricos podem ser de alguns milhares de Volt por metro. Os campos magnéticos médios nas casas, na frequência da rede, são muito mais baixos, cerca de 0,07 micro Tesla na Europa e 0,11 micro Tesla na América do Norte. Valores médios de campos eléctricos nas residências chegam até algumas dezenas de Volt por metro.
O certo é que a Organização Mundial de Saúde, tendo em conta os conhecimentos existentes, já recomendou o tecto máximo de 0,4 micro Tesla no que concerne à exposição humana a campos electromagnéticos, recomendando que para crianças e jovens essa exposição não deve ultrapassar os 0,2 micro Tesla.
Ora, face a este aconselhamento, “Os Verdes” entendem que o máximo que se deve permitir é o efeito a 0,2 micro Tesla, porque as crianças e as grávidas não se encontram, como é óbvio, concentradas em espaços próprios, antes estão distribuídas por diversas zonas, designadamente residenciais. Por precaução, então, o máximo que se deve permitir são os 0,2 micro Tesla.
Se atendermos ao facto de que a nossa legislação permite que os portugueses se sujeitem a 100 micro Tesla (500 vezes mais do que é aconselhado), percebemos bem como esta questão tem sido descurada e de como, em Portugal, indevidamente não se tem prevenido este risco.
Já em países como a Finlândia, a Noruega, a Suécia ou a Alemanha o limite é de 0,2 micro Tesla. E é esse o exemplo que, nesta matéria, “Os Verdes” querem “importar” para Portugal.
“Os Verdes” pretendem, também, alargar as distâncias das zonas residenciais, e outros equipamentos, às linhas e instalações eléctricas de média, alta e muito alta tensão. É que para além do risco cancerígeno, que assim se previne, estas linhas eléctricas provocam ruídos muito incomodativos, que geram falta de descanso recorrente a quem a ele é sujeito e doenças neurológicas evitáveis.
Para além disso, “Os Verdes” propõem, ainda, que as autarquias tenham uma palavra vinculativa em relação ao traçado e à definição de corredores para as linhas e instalações de distribuição de electricidade, na medida em que se torna insustentável que esses traçados sejam impostos pela entidade gestora da rede eléctrica, contrariando opções de planeamento definidos pelas próprias autarquias, tornando-os, muitas vezes, inexequíveis.
Estas propostas que o Grupo Parlamentar “Os Verdes” apresenta são tanto mais urgentes e necessárias, quanto a Rede Eléctrica Nacional está, neste momento, a impor um conjunto de traçados de linhas de muito alta tensão, pelo país fora, que vão contra o princípio da precaução e que, insistentemente, passam por cima ou muito junto a aglomerados urbanos, desvalorizando todo esse património e pondo em risco a saúde das populações, ainda por cima, sem sequer apresentar e estudar traçados alternativos, perfeitamente possíveis, à luz das necessidades da distribuição eléctrica no país.
“Os Verdes” aproveitam, ainda, para saudar os movimentos de cidadãos que se constituíram por forma a combater este interesse economicista da Rede Eléctrica Nacional, e de modo a defender os interesses das populações, questão que compete ao poder político concretizar e garantir.
Por isso, nos termos das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes”, apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1º
Objecto
O presente diploma estabelece os níveis permitidos, para exposição humana, aos campos electromagnéticos, gerados por linhas e instalações eléctricas de média, alta e muito alta tensão, de modo a garantir, através do princípio da precaução, a preservação da saúde humana e, simultaneamente, um adequado ordenamento do território.
Artigo 2º
Definições do objecto
Para efeitos do presente diploma, define-se:
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Linha de média tensão, como linha eléctrica em que o valor nominal de tensão se encontra entre os 1 kV e os 45 kV;
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Linha de alta tensão, como linha eléctrica em que o valor nominal de tensão se encontra entre os 45 kV e os 110 KV;
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Linha de muito alta tensão como linha eléctrica em que o valor nominal de tensão é igual ou superior a 110 KV.
Artigo 3º
Âmbito
O disposto no presente diploma é aplicável às linhas e instalações eléctricas de frequência compreendida entre 50 e 60 Hz.
Artigo 4º
Limite de exposição humana
1. A exposição humana ao campo magnético, gerado por linhas ou instalações eléctricas, não pode ultrapassar os 0,2 micro Tesla.
2. Deve evitar-se que as subestações e que as linhas de média, alta e muito alta tensão, em via aérea, sejam instaladas nas povoações, dentro ou junto a aglomerados urbanos.
3. O distanciamento das linhas aéreas, a áreas ou edifícios frequentados por pessoas, a partir da extremidade física da implantação, deverá considerar as seguintes orientações, tendo em conta as implicações na saúde e possíveis efeitos de somatório de campos:
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50 metros para as linhas de média tensão;
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100 metros para as linhas de alta tensão e subestações de 60 kV;
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150 metros para as linhas de muito alta tensão e subestações de tensão nominal superior a 110 kV.
4. Quando não for possível, por razões devidamente fundamentadas, cumprir o estabelecido nos números anteriores, as linhas eléctricas serão enterradas, no solo, e isoladas com cabos apropriados, de modo a salvaguardar a saúde pública.
Artigo 5º
Parecer vinculativo
De modo a não se estabelecerem incompatibilidades em termos de ordenamento territorial, as Câmaras Municipais, num prazo máximo de 90 dias, dão um parecer vinculativo sobre os traçados das linhas eléctricas e as localização das subestações, na área que integra a sua circunscrição administrativa.
Artigo 6º
Novas linhas e Planos de Ordenamento do Território
1. Nos instrumentos de ordenamento do território deverão ser definidos corredores para novas linhas eléctricas, de modo a planear e a respeitar os limites estabelecidos neste diploma.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, a entidade a quem compete a gestão da rede eléctrica, dá conta, anualmente, das intenções de instalação de novas redes eléctricas, aos respectivos municípios afectados no seu território.
3. Para além do estabelecido no artigo 5º, a instalação de novas linhas e instalações eléctricas necessita de parecer da tutela governamental do ambiente, saúde e economia.
Artigo 7º
Rede eléctrica instalada e planos de reconversão
1. A entidade gestora da rede eléctrica procederá ao levantamento das situações, de rede eléctrica já instalada, que não cumpram os limites definidos neste diploma, no prazo de 6 meses após a entrada em vigor do presente diploma.
2. A entidade gestora da rede eléctrica elaborará um plano de reconversão das linhas que não cumprem os limites definidos neste diploma, de modo a adequá-los ao presente diploma, num prazo de 18 meses após a elaboração do levantamento referido no número anterior.
3. Não obstante o constante do artigo 5º, o plano de reconversão referido no número anterior carece de parecer da tutela governamental do ambiente, da saúde e da economia, num prazo de 90 dias.
4. As medidas definidas nos planos de reconversão, nos termos dos números anteriores, deverão ser aplicadas num prazo de 10 anos, a contar da finalização do prazo estabelecido no nº 2, sendo a entidade gestora da rede eléctrica a responsável pela sua concretização.
Artigo 8º
Situações urgentes
1. As tutelas governamentais do ambiente, da saúde e da economia, com prévia auscultação das autarquias, procedem ao levantamento das situações mais problemáticas, actualmente existentes, de desfasamento com o estabelecido no presente diploma, tendo fundamentalmente em conta a proximidade de habitações e equipamentos públicos a campos electromagnéticos.
2. Nos casos mais problemáticos, incluindo os relativos a subestações instaladas, avaliados nos termos do número anterior, cabe à entidade gestora da rede e distribuição eléctrica, garantir a sua deslocação ou proceder às devidas indemnizações, de modo a permitir a deslocação dos afectados para outras habitações ou instalações condignas e não desvalorizadas em relação às actuais.
3. Nos casos de não cumprimento do presente diploma, a entidade gestora da rede eléctrica financia um programa de monitorização da saúde das pessoas afectadas, em coordenação técnica com a tutela governamental da saúde.
Artigo 9º
Promoção de investigação
À tutela governamental da ciência, cabe incentivar o conhecimento e a actualização de novos desenvolvimentos científicos e a promoção de programas de investigação para procurar mais evidências científicas, de efeitos sobre a saúde humana decorrentes da exposição a campos electromagnéticos.
Artigo 10º
Regulamentação
Ao Governo compete regulamentar o presente diploma no prazo máximo de 180 dias.
Artigo 11º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor após a aprovação do Orçamento de Estado subsequente à sua publicação.
Assembleia da República, 20 de Outubro de 2009
Os Deputados
Heloísa Apolónia
José Luís Ferreira