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26/03/2010 |
Projecto de Lei Nº. 195/XI Revoga o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, em defesa do apoio às Necessidades Educativas Especiais e da Escola Inclusiva |
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A X Legislatura Constitucional foi, infelizmente, pródiga em reformas economicistas, tecnocráticas e desumanizantes da Escola Pública portuguesa.
Em nome de uma suposta maior eficiência, da poupança de recursos financeiros e mediante uma mesma metodologia de impor reformas de costas voltadas para os profissionais no terreno, várias foram as medidas implementadas que conduziram ao encerramento de estabelecimentos, à concentração de recursos e ao cortes nos acessos a apoios, gerando mais exclusão, arrancando alunos das suas comunidades, mantendo-os mais tempo afastados das suas famílias, promovendo o conceito de “escola armazém”.
Contudo, em determinadas áreas, algumas dessas reformas revelaram-se particularmente chocantes e cruéis, aviltando o papel e a função do Estado de cumprir os preceitos constitucionais de construção de uma Escola Pública Democrática, de Qualidade e Inclusiva.
Foi o que aconteceu em relação às Necessidades Educativas Especiais (NEE), com a publicação do novo regime jurídico para a Educação Especial – Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro - que revogou o Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto e definiu os apoios especializados a prestar na educação pré -escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.
Ao mesmo tempo que criava os lugares de Quadro para professores do ensino especial, pretendendo usar a satisfação de uma reivindicação profissional de há longa data como moeda de troca, o Governo operou uma redução drástica no número de docentes disponíveis e cortou de forma radical na generalidade dos apoios educativos, privando milhares de alunos do direito a uma maior igualdade de oportunidades e sucesso escolar, e é neste contexto que avança com a referida reforma.
Um novo regime que não respeita a Declaração de Salamaca de 1994 nem os princípios internacionais conexos, que só atende às NEE de carácter permanente e profundo impondo, de acordo com os critérios CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade e Saúde – 2001) da OMS de natureza clínica, uma subalternização do plano pedagógico ao clínico, criando escolas de referência, concentrando e encerrando em guetos os alunos que rotula friamente em função da sua condição física ou psicológica, deficiência ou incapacidade, descontextualizando da prática pedagógica, promovendo a desinserção das escolas e das comunidades, forçando os alunos a percorrer grandes distâncias - um novo regime que, na perspectiva do PEV, representou o mais profundo retrocesso na escola inclusiva desde 1974.
Um dos mais generalizados consensos na oposição a essa reforma uniu pais, especialistas e professores e chegou à Assembleia da República não apenas por via da voz dos Grupos Parlamentares, como o de “Os Verdes”, mas também pela mão dos cidadãos subscritores da petição nº444/X/3ª, promovida pela FENPROF, com mais de 14.000 assinaturas.
Os peticionários chamaram a atenção para o facto deste novo regime operar uma categorização dos alunos com NEE´s, agrupando-os por “unidades especializadas”, desinserindo a intervenção do contexto educativo e transferindo-a para ambientes segregados (escolas de referência/unidades especializadas); substituir um modelo pedagógico de intervenção por um modelo clínico; complexificar e burocratizar o processo de referenciação/avaliação das Necessidades Educativas Especiais; encerrar as instituições de Educação Especial e “despejar” os seus alunos na rede de escolas de referência/unidades especializadas, a funcionar em situações de autênticos “guetos”.
Como defende Ana Maria Bénard da Costa, e outros que têm acompanhado desde sempre a Educação Especial no nosso país, o caminho que se deve seguir é o da inclusão, de uma perspectiva centrada na escola, capaz de responder à diversidade, com diferentes estratégias, tal como acontece noutros países signatários, como Portugal, da Declaração de Salamanca ou da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006).
Uma via que garanta o direito à educação, em igualdade de oportunidades, a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais, que promova níveis de intervenção diferenciados: na escola, com formação de professores e criação de equipas de apoio; disponibilização de especialistas a nível concelhio/regional; a criação de um serviço de observação e resposta a nível regional; apoio à rede de CERCI's.
A actual Legislatura e o reequilíbrio de forças com representação parlamentar saídos das últimas eleições, já permitiram corrigir erros perpetrados durante a anterior maioria absoluta, designadamente na área da educação. A exigência de revogação do Decreto-Lei nº 3/2008 e a sua substituição por um novo Regime Jurídico de Educação Especial, orientado para a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva, continua a ser reivindicado pelos parceiros sociais e, mais do que isso, continua a impor-se como um imperativo de consciência política, em respeito pelos objectivos e princípios fundamentais da Constituição e da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes” apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1º
Objecto
O presente diploma visa a criação de um novo regime jurídico de educação especial, de modo a garantir o direito de todos os jovens e crianças com necessidades educativas especiais à educação, no respeito pelos princípios da solidificação da escola inclusiva, da igualdade de oportunidades e da valorização e respeito pela pluralidade e diversidade no contexto educativo, garantindo que nenhum estudante fique privado do apoio escolar necessário com vista ao seu sucesso educativo, à sua autonomia, à sua integração social, à sua estabilidade emocional e ao desenvolvimento de todas as suas potencialidades e capacidades físicas e intelectuais.
Artigo 2º
Âmbito de aplicação
O presente diploma visa abranger e garantir o acesso e o sucesso educativo de todos os estudantes com qualquer grau de necessidade educativa especial, do ensino pré-escolar, básico, secundário e superior dos sectores público, particular e cooperativo.
Artigo 3º
Grupo de trabalho
1. O Governo procederá, num prazo máximo de 30 dias, a contar da entrada em vigor do presente diploma, à criação de um grupo de trabalho que inclua especialistas e representantes dos parceiros sociais com actuação no sector da educação especial, com vista à elaboração de um novo Regime Jurídico de Educação Especial.
2. O Grupo de Trabalho, referido no número anterior, deverá apresentar uma proposta de revisão do regime jurídico da educação especial, garantindo a aplicação nos princípios definidos nos artigos anteriores do presente diploma, no prazo máximo de 3 meses a contar da data da sua tomada de posse.
3. Com base na proposta do Grupo de Trabalho, o Governo elaborará uma proposta de lei a apresentar à Assembleia da República com vista à revisão do regime jurídico da educação especial.
Artigo 4º
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, a partir do início do ano lectivo subsequente à entrada em vigor do novo regime jurídico da educação especial.
Palácio de S. Bento, 26 de Março de 2010.
Os Deputados do Grupo Parlamentar “Os Verdes”,
Heloísa Apolónia
José Luís Ferreira