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09/12/2009
Consagra a universalidade e a igualdade no direito ao casamento - Intervenção de Abertura da Deputada Heloísa Apolónia
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia - discussão conjunta, na generalidade, da proposta de lei n.º 7/XI (1.ª) — Permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, dos projectos de lei n.os 14/XI (1.ª) — Altera o Código Civil, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo (BE), 24/XI (1.ª) — Consagra a universalidade e a igualdade no direito ao casamento (Os Verdes) e 119/XI (1.ª) — Cria e confere protecção jurídica às uniões civis registadas entre pessoas do mesmo sexo (PPD/PSD) e, ainda, do projecto de resolução n.º 50/XI (1.ª) — Propõe a realização de um referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
 

 

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Nesta intervenção gostava de deixar aqui algumas notas prévias em relação àquilo que está em discussão, para que não haja dúvidas de que alguns, ao que parece, têm interesse na existência de alguns equívocos, para que não se perceba exactamente aquilo que está em discussão.

Em primeiro lugar, nós estamos hoje, aqui, neste debate na Assembleia da República a tratar do alargamento do casamento civil, repito, civil, a pessoas do mesmo sexo. Não se trata aqui de tocar o que quer que seja em casamentos religiosos, porque esses manter-se-ão nos exactos termos em que cada confissão religiosa os entender. Também não se trata aqui de mexer ou tocar o que quer que seja no que cada pessoa ou casal entenderem sobre o significado do seu casamento, porque esse manter-se-á exactamente nos termos em que cada pessoa ou casal o entenderem.

Em segundo lugar, é importante referir que o instituto do casamento não é nem nunca foi estático, pois já foi perpétuo e, felizmente, deixou de o ser e já subjugou completamente a mulher ao marido e, felizmente, deixou de subjugar.

Em terceiro lugar, alguns referem que esta não é uma prioridade nacional e que o País devia estar virado para outras discussões. Mas o País tem estado virado para outras discussões! Caso não tenham reparado, na Assembleia da República não temos feito outra coisa senão discutir outras questões. Mas esta faz também parte, naturalmente, das prioridades nacionais! A questão da garantia de direitos e da promoção da igualdade faz, naturalmente, parte das prioridades nacionais.

Portanto, a Assembleia da República é talvez a prova de que muitas coisas se podem discutir e, caso haja vontade do Governo, de que muitas coisas se podem resolver simultaneamente neste país.

Deixando agora a questão das notas prévias e passando à apresentação do projecto de lei de Os Verdes, quero dizer que Os Verdes propõem que se reconheça definitivamente neste país que há diferentes formas de constituição de família e que se reconheçam essas diferentes formas de constituição de família e os direitos individuais de cada pessoa. É por isso que Os Verdes propõem o alargamento do casamento civil a pessoas do mesmo sexo.

Nós entendemos que há uma orientação constitucional nesse sentido conjugando o artigo 36.º, que determina que todos, repito, todos, têm o direito a constituir família e a casar, com o artigo 13.º, que diz que ninguém será discriminado em função de um conjunto de questões, designadamente da sua orientação sexual.

Há, portanto, uma determinação constitucional para a igualdade que Os Verdes consideram que deve ser implementada no nosso ordenamento jurídico, erradicando, assim, esta discriminação absurda hoje existente.

É importante dizer que o projecto de lei de Os Verdes nesta Legislatura é diferente do projecto de lei de Os Verdes na passada legislatura. O que é que mudou, então?! Na passada legislatura cedo se percebeu que o Partido Socialista não apresentaria qualquer projecto de lei relativamente ao alargamento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, por isso Os Verdes não propuseram a introdução da adopção nesta questão, uma vez que entendemos que são coisas distintas e não queríamos que a questão da adopção viesse inviabilizar a introdução desta igualdade do casamento no nosso ordenamento jurídico. Como entendemos que, na legislatura passada, não haveria condições para que isso acontecesse, propusemos apenas o alargamento do casamento.

Nesta Legislatura, com o compromisso do Partido Socialista de que seria garantida esta alteração legislativa, de modo a alargar o casamento, Os Verdes entenderam que era altura de introduzir também nesta discussão a questão da adopção. É importante que essa discussão se faça e nós entendemos que o projecto de lei de Os Verdes é um contributo fundamental para que isso aconteça. Evidentemente que, para a questão da igualdade neste país, o óptimo seria que o nosso projecto de lei fosse aprovado, mas, segundo aquilo que tem dito publicamente, o Partido Socialista não se mostrará em condições de o fazer.

De qualquer modo, questionei, há pouco, o Sr. Primeiro-Ministro sobre esta matéria e não obtive qualquer resposta. É pena! O Sr. Primeiro-Ministro disse uma coisa que é verdade; disse que, na passada legislatura, o Partido Socialista, apesar de ter deixado muito claro que era a favor do casamento, não o aprovou. Aprova-o nesta Legislatura, mas não quer deixar agora claro se é ou não a favor da adopção, para, eventualmente, vir a aprová-la no futuro. Era isto que considerávamos que era importante ficar claro neste debate. O Partido Socialista não se quer comprometer com a plena igualdade, mas essa questão deveria ficar muito clarificada neste debate.

Ora, aquilo que Os Verdes gostariam de saber é se o Partido Socialista está predisposto para que, nesta Legislatura, se abra um debate também na Assembleia da República sobre a matéria da igualdade na adopção, fundamentalmente em prol das crianças institucionalizadas, que desejam e têm o direito de ser acolhidas numa família. Esse debate precisa de ser feito e o Partido Socialista precisa de clarificar a sua posição em relação a esta questão. É tempo de começar a promover o debate, de tirar dúvidas, de cimentar posições e de clarificar essas mesmas posições.

Nós conhecemos também, evidentemente, as posições dos outros grupos parlamentares em relação a esta matéria, designadamente do PSD e do PP. Trata-se de partidos que não querem a igualdade. Então, devem assumi-lo! Devem dizer: «Não queremos a igualdade, queremos a manutenção de uma discriminação e da desigualdade na nossa lei».

O PSD, entretanto, talvez para tentar «lavar um pouco a sua cara» nesta matéria, inventou uma nova figura jurídica, que se chama «união civil registada». É uma coisa radicalmente discriminatória! É a criação de um gueto das composições familiares só para homossexuais. Respeitam mais o nome «casamento» do que as pessoas em concreto!

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os Verdes entendem que talvez nem valha a pena perder mais tempo com esta aberração que o PSD propõe, e, portanto, vou passar à frente.

Esta semana deu também entrada na Assembleia da República uma proposta de referendo subscrita por mais de 90 000 cidadãos. A Assembleia da República decidiu, por unanimidade e por respeito também aos proponentes, fazer a discussão conjunta desta proposta de referendo com os diferentes diplomas que surgiram sobre a matéria na Assembleia da República.

Os Verdes, em relação a esta matéria, gostariam de dizer o seguinte: é nossa plena convicção que se, de acordo com o novo quadro parlamentar e com os compromissos assumidos pelos diferentes partidos, não houvesse condições parlamentares para aprovar o alargamento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, esta proposta de referendo nunca teria entrado na Assembleia da República. E temos a plena convicção, porque não é mais debate que querem, não é mais discussão que querem, não é mais clarificação da posição dos partidos que querem, o que querem é inviabilizar este processo… É porque, senão, poderíamos perguntar por que é que esta proposta de referendo não apareceu na legislatura passada, dado que esta matéria já nessa altura foi discutida. Nós sabemos porquê. É porque na legislatura passada, por causa do PS, não havia condições para fazer esta aprovação. Como nesta Legislatura já há, de acordo com o compromisso do PS, condições para fazer esta aprovação, é por isso que aparece a proposta de referendo.

Portanto, os pressupostos que são apresentados para a feitura deste referendo não são válidos e descredibilizam completamente esta iniciativa.

Mas, ainda em relação à iniciativa do referendo, Os Verdes gostariam de dizer o seguinte: primeiro, de acordo com a nossa convicção e de acordo até com a nossa coerência relativamente ao que temos afirmado sobre tantas matérias, os direitos orientados pela Constituição da República Portuguesa não são referendáveis.

Em segundo lugar, tem existido um profundo debate em relação à questão do alargamento do casamento a pessoas do mesmo sexo fora da Assembleia da República, mas inclusivamente dentro. Na passada legislatura houve um debate intenso na Assembleia da República sobre esta matéria, onde se clarificaram as posições de todos os partidos políticos aqui representados.

Dizem também que falta legitimidade à Assembleia da República… Srs. Deputados, era o que mais faltava que faltasse legitimidade à Assembleia da República para fazer a aprovação que aqui se fará hoje!

Todos conhecem a posição de todos os partidos com representação parlamentar. Todos! Não há dúvidas sobre a posição de todos os partidos, nem havia antes das eleições, e o referendo, que se saiba, não constava também da proposta de nenhum partido com representação parlamentar. Pergunta-se então àqueles que utilizam permanentemente este argumento das questões constarem ou não dos programas eleitorais que legitimidade terão alguns partidos para aprovar esta proposta de referendo, dado que ela não constava dos seus programas!...
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes também consideram que estamos hoje perante um dia histórico naquilo que respeita à promoção da igualdade neste país.

Consideramos que o PS deveria estar aberto a acolher também as propostas dos outros partidos sobre esta matéria.

Repare-se que estamos neste momento a fazer um debate e faremos uma aprovação, na generalidade. Vamos depois passar ao debate na especialidade, onde faremos uma discussão e encontraremos um texto comum, de modo a fazer depois a sua aprovação em termos de votação final global.

Se o Partido Socialista não se fechasse sobre o seu próprio texto e permitisse uma discussão mais alargada e com maior contributo de todos os grupos parlamentares, daria um sinal muito interessante ao País em termos de tolerância, de promoção da discussão, de promoção do debate e de aceitação das propostas dos outros grupos parlamentares. É um mau sinal este fechamento do Partido Socialista sobre a sua própria proposta.

Em termos daquilo que foi anunciado para as votações, quero aqui deixar claro que Os Verdes não farão, evidentemente, qualquer «retaliação» na votação. Votaremos favoravelmente a proposta de lei do Governo em relação ao alargamento do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Resumindo e concluindo, Sr.as e Srs. Deputados, votaremos evidentemente, como não poderia deixar de ser, a favor da projecto de lei que nós mesmos apresentámos em relação a esta matéria, votaremos a favor do projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, votaremos a favor da proposta de lei apresentada pelo Governo, votaremos obviamente contra o projecto de lei do PSD sobre a união civil registada e votaremos obviamente contra a proposta de referendo.


 

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