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02/06/2010
Debate de actualidade, requerido por Os Verdes, sobre a decisão ontem aprovada em Conselho de Ministros de encerramento de escolas com menos de 21 alunos
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
- Assembleia da República, 2 de Junho de 2010 -
 
 
 
1ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes requereram este debate de actualidade porque, como é sabido, o Governo aprovou, ontem, em Conselho de Ministros, uma medida de encerramento das escolas do País com menos de 21 alunos.
Curiosamente, muitos dos Srs. Deputados lembrar-se-ão que há cerca de quatro anos discutimos aqui o encerramento das escolas com menos de 10 alunos. Dizia, então, o Governo que não se assegurava qualidade pedagógica às escolas com menos de 10 alunos, acima desse número a qualidade de ensino estava assegurada.
A primeira pergunta que se impõe, então, é a de saber o que se alterou nestes quatro anos para que a qualidade pedagógica, na perspectiva do Governo, algo de que discordamos, agora, só se garanta em escolas com mais de 20 alunos?
Sr. Ministro, talvez não fosse mau eu atrever-me a responder por si, porque estou em crer que o Sr. Ministro não vai dizer a verdade a esta Câmara. Na verdade, a resposta séria e concreta relativamente a esta medida é a de que o Governo quer poupar e, então, escolhe sectores de poupança, e escolheu a educação. O Governo entende que, na educação, pode poupar uns bons milhões, em nome de uma crise que existe no País.
Sr. Ministro, só que sacrificar crianças deste País em nome de uma crise que este Governo fomenta todos os dias é demais. É inaceitável, na perspectiva de Os Verdes.
Sr. Ministro, costumo dizer que, quando tomamos decisões que afectam outras pessoas, devemos pôr a nossa imaginação a funcionar de uma forma muito realista, colocando-nos no lugar dessas pessoas para percebermos exactamente as implicações que elas teriam em nós. Assim talvez consigamos perceber o quadro de uma forma mais realista.
Pergunto se alguém, nesta Câmara, faria uma opção de ir viver para um lugar onde as suas crianças tivessem de fazer mais de uma hora de caminho para chegar à escola, tivessem de se levantar às 6 da manhã, muitas vezes percorrer o concelho quase todo antes de chegar à escola, no seu transporte escolar, às vezes, chegar à escola antes da 8 da manhã e ter de aguardar à porta da escola até abrir o estabelecimento de ensino. Sr. Ministro, esta é uma realidade que, infelizmente, algumas crianças deste País ainda vivem!
Por outro lado, será que o Governo tem consciência do peso desta medida a nível do nosso ordenamento territorial?
Ouvimos sempre, aqui, de orçamento em orçamento, e noutros debates parlamentares, todas as pessoas muito concordantes dizerem que é fundamental combater as assimetrias regionais.
O Sr. Ministro e este Governo terão consciência da forma como o Governo está a fomentar as assimetrias regionais e a falta de coesão regional neste País, através desta medida que pretende tomar?
O Sr. Ministro terá consciência de que aquilo que está a fazer-se é a reduzir o potencial de desenvolvimento de muitas das localidades deste País?
Este Governo terá consciência de que, quando encerra escolas, centros de saúde, onde não há emprego, aquilo que está a fazer é a encerrar localidades neste País? Será esse o propósito do Governo?
Esse objectivo é altamente condenável, como o é o facto de o Governo, neste momento, estar a querer criar no País o modelo da escola única. Curiosamente, criou um modelo de escola urbano e, então, está a procurar liquidar outros modelos eficientes e importantes de acordo com o nosso ordenamento territorial. Aquela escola familiar, aquela escola onde o avô ou a avó podiam ir buscar a criança à escola para, depois, a acolher na sua casa, será que o Governo tem consciência que essa realidade acaba com a tomada destas medidas por parte do Governo?
Será que o Governo tem consciência de que muitos alunos mudaram de escola, no ano lectivo passado, por causa do encerramento da sua anterior escola e que, neste ano, o Governo está a propor-lhes que voltem a mudar de escola?
Terá o Governo consciência de que há alunos, neste País, que mudaram para uma escola supostamente melhor mas que, como não tem cantina, à hora de almoço são transportados para a sua escola anterior, aquela que encerrou e que, afinal, se transformou em cantina, para irem lá comer e depois regressam à escola para onde tinham sido mudados?
O Governo terá consciência do desperdício de dinheiros públicos neste País quando propõe o encerramento, no próximo ano lectivo, de escolas que, no ano lectivo passado, tiveram, algumas delas, obras importantes? Será que o Governo perdeu completamente a noção da realidade? Será que o Governo não percebe que este País não se gere de forma administrativa, mas que nele existem pessoas reais, que sentem, que sentem dificuldades e que só querem, por parte do Governo, medidas que melhorem as suas condições de vida?
Isso é profundamente legítimo. É assim que se faz em democracia e, felizmente, não é isso que o Governo tem feito!

2ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, é pena o Sr. Ministro não dispor de mais tempo, porque agora impunha-se colocar um conjunto de questões.
Vou, primeiro, fazer uma nota prévia para dizer que já percebi com quem a Sr.ª Ministra da Educação aprendeu… Ou, então, é uma aprendizagem entre os diversos membros do Governo, que não respondem às perguntas que são colocadas.
O Sr. Ministro trouxe o discurso feito de casa e, independentemente das questões com que ia ser confrontado aqui, na Assembleia da República, faria sempre o mesmo discurso. Mas essa não é a lógica do debate de actualidade, Sr. Ministro. A lógica era os Deputados virem colocar questões concretas sobre a realidade concreta do País — realidade, essa, que chega a todos os grupos parlamentares em termos de denúncias por parte de pessoas que vivem essa realidade concreta —, o Governo interiorizá-la e responder perante ela.
Entretanto, ouvimos aqui a intervenção do Sr. Deputado Bravo Nico — eu não digo «bravo!», para não haver outras interpretações, mas exactamente o sentido contrário. Então, o Sr. Deputado vem aqui dizer que as escolas não têm equipamentos, as escolas não têm materiais? Sr. Deputado, eu não diria melhor sobre a incompetência dos sucessivos ministérios da Educação que não deram condições a muitas escolas para funcionar.
Sr. Deputado, vire-se para a realidade do País, porque essa realidade existe também em Lisboa e nos grandes centros urbanos.
O Governo não está a lutar por uma melhor qualidade de ensino, porque, se estivesse, o Governo também se virava para os grandes centros urbanos, onde as turmas estão superlotadas, onde um professor tem tantos alunos que não consegue dar uma atenção quase personalizada a esses alunos ou a uma boa parte desses alunos.
Então, este é que é o vosso modelo escolar?! Este é que é o vosso modelo de ensino, de grande sucesso e de grande aprendizagem?! Não!
A realidade pura e dura é a de que os senhores não estão preocupados com a qualidade do ensino. Os senhores só estão preocupados em poupar e foram encontrar um sector — outro sector — para poupar, que foi o da educação. E isso é que tem de ser denunciado! É porque neste sector não dá para ser economicista. Neste sector, não há economicismo que lhe valha, porque é um pilar fundamental para o desenvolvimento da sociedade.
Como o Sr. Ministro trazia a intervenção feita, escamoteou completamente a questão do despovoamento do interior, que não é de somenos importância.
O Sr. Ministro falou em tantas taxas, em tantos índices… Por acaso, eram do ensino secundário, era disso que o Sr. Ministro estava a falar! Mas, enfim, vamos falando aqui de realidades diferentes para fazer algumas curvas, para não ir a direito no caminho que importava trilhar…!
Mas, como eu estava a dizer, o Sr. Ministro falou de tantas taxas e de tantos índices, mas não falou da taxa de despovoamento do interior, desde que, por exemplo, o PS está no Governo. Os senhores já repararam como têm contribuído de uma forma tão grande para o despovoamento e para a descaracterização do nosso interior, para o abandono de uma boa parte do território nacional?!
Mas esse é um objectivo deste Governo?! O Governo tem essa intenção?! O Governo não percebe que desperdiçar assim uma boa parte do território nacional é matar uma parte deste País?!
Este País precisa de serviços para as pessoas se instalarem, para as empresas se instalarem, para gerar vida em localidades que o Governo está, pura e simplesmente, a matar.
Julgo que isto é verdadeiramente inadmissível! O País não pode aceitar, porque, de medida em medida — hoje anuncia uma, amanhã anuncia outra, para a semana anuncia uma outra… —, se formos juntar o impacto de todas essas medidas, verificamos que a consequência não podia ser outra senão a de matar uma boa parte do território deste País e criar mais difíceis condições de vida às pessoas.
Já aqui foi falada a questão das cartas educativas. Aprovaram-se as cartas educativas e, agora, «metem-se na gaveta»!… Ou seja, no ano passado, considerava-se que era importante ter um número x de escolas numa determinada autarquia; neste ano, já se considera que metade ou menos é mais do que suficiente. Mas andamos aqui «a brincar aos números»?!
Sr. Ministro, há outra coisa a que importa responder: e quanto aos funcionários dessas escolas que o Governo pretende encerrar, o que vai acontecer a essa gente? Não me diga que é mais uma forma de o Governo empurrar gente, com a sua própria mão, para o desemprego? Isto é um escândalo! O País está numa situação em que precisava da «mão» do Governo, mas aquilo que acontece é que o Governo dá «pontapés» e as pessoas que se safem! Isto é absolutamente inadmissível!
Sr.as e Srs. Deputados, a Sr.ª Ministra foi bem clara nas suas declarações de ontem ao dizer que não está nada preparado para acolher estas crianças. Os centros educativos não estão feitos, não há nada preparado para acolher aquilo que o Governo já decidiu administrativamente.
A pergunta que se impõe é a seguinte: vamos ter, novamente, o cenário dos contentores nas escolas? Quanto é que custa a presença desses contentores ao Estado? Ninguém sabe. O Governo nunca respondeu e, portanto, ficamos sempre nesta ignorância! E o Governo vai procurando impor medidas perfeitamente injustas que têm consequências concretas e directas na vida das pessoas e, mais uma vez, digo, Sr. Ministro, que não é isto que as pessoas esperam de um governo.
Concluo, sim, Sr. Presidente, dizendo que o que as pessoas devem de um governo, numa democracia, é a melhorias das suas condições de vida, a melhoria da sua qualidade de vida, e isso o Governo está, permanentemente, a atacar.
Muito obrigada pela tolerância, Sr. Presidente.
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