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23/03/2011
Debate do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2011-2014

Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
- Assembleia da República, 23 de Março de 2011 -

 
 
 
1ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, o senhor apresenta-se neste debate — não pessoalmente, naturalmente, mas em nome do Governo — sem credibilidade absolutamente nenhuma.
Já aqui foi relembrado, neste debate, os anteriores pacotes apresentados e os seus anúncios: de que seriam o milagre para salvar o País, que cada um deles bastaria, que não era necessário absolutamente mais nada. Mas, tempos depois, aparece sempre um outro pacote de austeridade. Porquê? Porque os anteriores não deram resultado. Mas já lá vamos!
Agora o Governo diz assim: «Precisamos de mais austeridade porque temos uma meta de défice de 4,6% para 2011, mas para 2012 temos 3% e para 2013 temos 2%. Portanto, temos que cortar mais para atingir essas metas de défice». Mas a história não era contada assim, Sr. Ministro! O senhor está a reescrever a história que contavam anteriormente. Sabe porquê?
Por exemplo, para 2011 — é importante que os portugueses percebam que este PEC também traz medidas de austeridade para 2011 — não havia já um Orçamento do Estado com as necessárias medidas de austeridade?! Não era o bastante!? Bom, não foi o bastante, mas já lá vamos.
Para os anos seguintes, o que dizia o Governo? Dizia que, como os pacotes de austeridade dariam resultado e dariam crescimento económico, o País começaria a produzir, começaria a gerar riqueza e isso seria bastante também para atacar as metas de défice a que nos propúnhamos nos anos seguintes. Mas, pelos vistos, não deu nenhum resultado, Sr. Ministro. Pelos vistos, são precisas mais medidas de austeridade, que o Governo agora anuncia ao País.
Diz o Sr. Ministro que é para desfazer dúvidas. Qual desfazer dúvidas, qual quê, Sr. Ministro?! O que se sabe é que as medidas que o Governo apresenta sucessivamente são recessivas. Para que toda a gente perceba, são medidas más para o País, são medidas que pioram a situação do País.
Diz que vai desfazer dúvidas porque no Orçamento do Estado para 2011 — imaginemos — previa um crescimento de 0,2% para Portugal e afinal, agora, no PEC, prevê uma recessão de 0,9%. Olhe que grandes dúvidas tiradas!… Tirou, tirou dúvidas aos portugueses, Sr. Ministro: tirou dúvidas, porque agora já ninguém se engana, e estes menos 0,9% são o resultado de quê? Das políticas que o Governo tem prosseguido. É a prova provada de que tem piorado a situação do País. Portanto, agora, em vez de crescimento, vamos ter recessão. É claro! E para os anos seguintes a lógica há-de ser sempre a mesma, Sr. Ministro. Porquê? Porque se este País não produz, se não gera riqueza, o que vai acontecer é que o Governo vai propor sempre mais e mais cortes, porque tem que andar sempre a cortar mais, visto que não geramos riqueza e estamos completamente dependentes do exterior. Ou seja, isto é uma bola de neve, é uma espiral que não tem fim! Onde é que os senhores irão parar? Querem dizer isso aos portugueses? Onde conseguem parar? Não param!
É isto que julgo que tem que acabar de uma vez por todas. Ou o Governo acorda e fala verdade ou assim não vamos lá, porque estamos a assistir a pacotes de austeridade atrás de pacotes de austeridade, sem fim à vista!
Sr. Ministro, este PEC é uma absoluta atrocidade, é esmagar as pessoas. E os que se sentem esmagados e que nos estão a ouvir — muitos, seguramente — sabem de quem falamos, que é deles próprios, daqueles que vêem permanentemente o seu poder de compra reduzido, os impostos aumentados, que não conseguem esticar mais os orçamentos familiares. Mas vamos ao PEC e o que verificamos? Tributação das transacções financeiras em offshore — nada! Afinal há dinheiro neste País para não ir buscá-lo onde se deve. Tributação das grandes mais-valias bolsistas — nada! Afinal há dinheiro para não ter que se ir buscar onde se deve. Não se acabam com os benefícios fiscais à banca, não se taxa a banca em IRC à mesma medida de qualquer micro, pequena ou média empresa. Tributação das grandes fortunas — nada! Afinal há dinheiro para não se ir buscar onde se deve.
Quando digo «para não se ir buscar onde se deve» quero dizer que é onde há real capacidade de contribuição. Não se vai lá! Milhões injectados no BPN! Afinal há dinheiro! Se for necessário, diz o PEC, para fortalecer a capacidade dos bancos, considera-se a possibilidade de aumentar os actuais 9000 milhões de euros disponíveis no âmbito de garantias. Afinal há dinheiro! Afinal há dinheiro, Sr. Ministro! Então é esta lógica que não se consegue compreender, esta atrocidade deste PEC não se consegue compreender.
Sr.as e Srs. Deputados, o PEC dá dinheiro aos grandes sectores em Portugal e retira-o aos portugueses! Isto é absolutamente inadmissível, Sr. Ministro! É disto que os portugueses têm de se consciencializar. E o Governo, Sr. Ministro! Não dá para mascarar mais.

2ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, gostava de lhe colocar uma primeira questão para tentar perceber qual é a leitura que o Governo faz do facto de o PS não ter apresentado qualquer projecto de resolução de apoio ao vosso Programa de Estabilidade e Crescimento.
Sei que a responsabilidade dessa apresentação é do PS, Sr. Ministro. Isso não é novidade para ninguém, porque todos conhecemos os mecanismos parlamentares. O que quero é saber qual a leitura política que o Governo faz disso. Isto porque todos os projectos de resolução que vão ser votados são contra o Programa de Estabilidade e Crescimento. Não há um projecto de resolução de apoio a este PEC. Por isso, gostaria de saber qual a leitura que o Governo faz deste facto.
O Sr. Ministro fez uma intervenção que se resume, numa determinada parte, mais ou menos a isto: ou é o PEC ou é o caos. É uma coisa mais ou menos idêntica a isto, sem ter percebido ou (vá lá, vou ser talvez um pouco mais justa) sem querer assumir, de facto, que o PEC é o caos.
Sr. Ministro, para que os portugueses nos entendam bem, vamos lá a traduzir o PEC em bom português.
Para 2001: medicamentos ainda mais caros; transportes ainda mais caros; mais cortes nas prestações sociais; mais adiamento de investimentos em infra-estruturas importantes, como as escolas.
Para 2012 e 2013 há mais: actualização mínima, que ainda ninguém percebeu exactamente o que é, das pensões mais baixas; corte nas pensões acima dos 1500 €; mais corte nos medicamentos; mais corte na educação; aumento dos impostos — não, não são os impostos da banca, nem outros onde há muito dinheiro por tributar, é do IVA, é o corte dos benefícios fiscais na saúde e na educação — e mais privatizações. Consequência: recessão económica. É isto que está proposto no PEC. O que é que isto significa? Mais empresas a fechar, menos produção, mais desemprego.
Esta é a história resumida do PEC que aqui hoje nos é apresentado. Ora, se isto não é o caos, o que será o caos?!
O que o Governo pede aos portugueses é o seguinte: meus caros amigos, em três anos, paguem 13 200 milhões de euros. Paguem! É o que o Governo diz. Mas à banca não o diz!
Já agora, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, um aspecto lateral: é que não sou eu que digo que a banca paga menos impostos, são os próprios relatórios das instituições financeiras que avaliam o aumento do lucro em 2010, e aquilo que se sabe é que pagam menos impostos. Mas não é pouco!
Só o Sr. Ministro de Estado e das Finanças é que vê alguns cifrões à frente e vê a banca a pagar mais impostos. Portanto, não se percebe, de facto, qual é o quadro realista do Governo, quando é a própria banca que diz que paga menos. Mas, enfim!…
Depois, lá vem o «papão» do FMI. E o Governo vai ameaçando permanentemente com a entrada do FMI, com coisas do tipo: «se não estivermos cá nós a guardar a porta, lá entra o FMI». Mas já há um FMI em Portugal: chama-se PS e PSD, porque o PS e o PSD, juntos, através das medidas que têm aprovado conjuntamente, têm levado o País a esta situação e nenhum pode descartar-se das suas responsabilidades.
E será, Sr. Ministro, que o Governo nunca se questionou sobre se, porventura, as medidas dos sucessivos pacotes e outras medidas avulsas que o Governo tem apresentado desde 2008 — e já nem vou mais para trás — tivessem dado resultado, não estaria à porta o «papão» do FMI? Ou melhor, que os senhores querem pôr à porta, pois são os senhores que estão a pô-los à porta…
Mas, Sr. Ministro, nunca se questionou sobre isso? Ou seja, nunca se questionou sobre se as medidas tivessem dado resultado estaríamos aqui a discutir um cenário de recessão? Não estávamos! Estávamos mais para cima… Mas não, não estamos, e porquê? Porque as medidas prosseguidas por este Governo, com o absoluto apoio do PSD, metem-nos cada vez mais no fundo, e é isso que temos de contestar e é por isso que, obviamente, este Programa de Estabilidade e Crescimento tem que merecer um chumbo rotundo.

INTERVENÇÃO DE ENCERRAMENTO

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Foi longa a discussão, foram aduzidos diversos argumentos e parece-me que ficou muito clara a posição de todos os grupos parlamentares, mas, porque ainda não o referi no decurso deste debate, quero estranhar ou manifestar até desagrado pela ausência do Sr. Primeiro-Ministro.
Não estamos num momento qualquer, o Sr. Primeiro-Ministro retirou, publicamente, consequências do chumbo do PEC. Era aqui que o Sr. Primeiro-Ministro devia estar e, mais, devia ter dito alguma coisa neste debate.
O Sr. Ministro Vieira da Silva, há pouco, lembrou-nos a situação da Irlanda e da Grécia, e lembrou muito bem, Sr. Ministro. Lembrou muito bem os resultados que foram causados, nalguns países, justamente por pacotes de austeridade como aqueles que o Governo tem apresentado em Portugal.
E qual foi o «lindo» resultado? Entrada do FMI! Portanto, não venha dizer que são os pacotes de austeridade que nos livram do FMI. Não! Embocam-nos no FMI! Mas, como o FMI, em Portugal, tem outro nome — PS e PSD — já não é preciso o FMI.
Sr.as e Srs. Deputados, penso que também devemos falar muito claro sobre aquilo que já se tornou absolutamente perceptível aos olhos dos portugueses.
O PSD quer o poder, o timing do PSD não era agora, o timing do PSD era no final do ano; o PS está no poder e quer manter-se no poder. O que é que o PS sabe? Quanto mais tempo passar, pior para si próprio. Porquê? Porque a aplicação das medidas de austeridade levará as pessoas a consciencializarem-se melhor das verdadeiras consequências da sua política. Logo, antecipar a dita crise política era determinante para não ser tão penalizado.
Dito isto, gostaria de dizer o seguinte: a rejeição do Programa de Estabilidade e Crescimento é, actualmente, da responsabilidade do Governo, e só do Governo. E por que é que Os Verdes dizem isto? Porque o Governo sabia que o Programa de Estabilidade e Crescimento seria rejeitado na Assembleia da República. Depois de tornadas públicas as posições dos vários grupos parlamentares, não havia dúvidas sobre esta matéria. Ainda assim, sabendo dessa consequência, o Governo do Partido Socialista entendeu apresentar este PEC à Assembleia da República. A «bola» estava do seu lado! O que é que o Governo poderia ter feito? Sabendo da rejeição deste PEC, apresentava outro PEC, direccionado de outra forma, à Assembleia da República.
Portanto, ao colocar em discussão este PEC, que já estava previamente falhado — e, agora, naturalmente, vão também ser votados os projectos de resolução —, o Governo sabia quais as consequências. Antes da discussão e da votação dos projectos de resolução, o Sr. Primeiro-Ministro foi muito claro: «se o PEC não passa, o Governo não tem mais condições para governar e vamos para eleições antecipadas». Está clara a vontade do PS e do Governo, neste momento, e não há vitimização que os salve. Peço imensa desculpa, julgo que os portugueses o compreenderão, mas não há vitimização que vos salve das consequências concretas das vossas políticas.
Sr. Presidente, chegados a este ponto, penso que também é determinante dizer uma palavra sobre alternativas. É que Os Verdes apresentaram um projecto de resolução onde não apenas solicitam a rejeição do PEC mas apresentam também algumas linhas gerais e orientações alternativas a esta política, como a realização de um novo PEC, que promova o aumento do poder de compra dos portugueses, de modo a que estes possam ser agentes dinamizadores da economia interna, ou seja, valorização dos salários e das pensões, para que o País possa enriquecer — veja-se bem! —, para que os portugueses possam dinamizar as empresas, dinamizar a economia e, logo, promover maior produção, maior actividade produtiva no País.
Pretendemos também, naturalmente, a efectivação de uma revisão da atribuição das prestações sociais, de modo a combater a pobreza e a combater a discriminação, designadamente garantindo acesso a direitos determinantes, consagrados a nível constitucional.
Pedem ainda Os Verdes a concretização de um novo PEC que determine o apoio às micro, pequenas e médias empresas, com vista a reforçar a actividade produtiva nacional, que é fundamental para a nossa menor dependência do exterior, logo, para não termos de pedir tanto emprestado ao exterior.
O mesmo se diga em relação à alteração, num novo PEC, da lógica de desistência do desenvolvimento do País, nomeadamente garantindo investimento público que combata as assimetrias sociais e regionais, o que também é imprescindível para a dinamização do emprego.
Os Verdes pretendem ainda a garantia da rejeição de privatização de sectores estratégicos para o desenvolvimento do País, como os da água, da energia e dos transportes; a garantia de emprego público, de modo a que o Estado não contribua para o aumento da bolsa de emprego; a promoção da motivação para o emprego, por via da qualificação dos trabalhadores e do combate à precariedade laboral; a limitação dos vencimentos dos gestores públicos e a reorganização de departamentos governamentais, designadamente combatendo o excessivo e ilimitado número de nomeações — mas disto, os senhores não falam! — e a concretização de um novo PEC que determine uma revisão fiscal, de modo a garantir que cada agente colabora fiscalmente…
Como estava a dizer, pretendemos a concretização de um novo PEC que determine uma revisão fiscal, de modo a garantir que cada agente colabora fiscalmente em função da sua capacidade de contribuição. E já vimos aqui, hoje, que há muitos sectores que estão fora desta justiça fiscal.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estão apresentadas hoje, aqui, mas já estavam, há muito tempo, verdadeiras alternativas para o País. Aquilo que se percebeu é que a «receita» da direita já provou que não serve o desenvolvimento do País, e, especialmente, em momentos como este, é degradante para o País.
Por isso, Os Verdes reafirmam que Portugal precisa de esquerda.
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