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16/07/2010 |
Debate sobre o Conselho Europeu |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
- Assembleia da República, 16 de Julho de 2010 -
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Em jeito de «três em um», discutimos hoje a participação do Governo na reunião do último Conselho Europeu, o Programa de Trabalho da Comissão Europeia para 2010 e o relatório anual do Governo sobre a União Europeia.
Relativamente à reunião do último Conselho Europeu, no entendimento de Os Verdes, os aspectos mais significativos dessa reunião são, por um lado, a pretensão do Conselho em transformar a crise num pretexto para acelerar o passo a caminho do federalismo, numa visão verdadeiramente imperialista da União Europeia; e, por outro lado, um esforço no sentido de aproveitar todas as faculdades que o Tratado de Lisboa permite para, com recurso à chamada «governação económica», reforçar a centralização e a concentração do poder económico ao serviço dos interesses das grandes potências europeias, sobretudo da Alemanha.
Os aspectos que mais interessam às pessoas, que mais interessam aos europeus, ficaram, mais uma vez, excluídos da discussão. Desde logo, as medidas de regulação financeira e as importantes questões do fim dos paraísos fiscais. Pelos vistos, estas matérias continuam a não ter qualquer importância para os senhores da Europa.
O mesmo se diga relativamente às alterações climáticas. O Sr. Secretário de Estado fez referência a esta questão, mas nesta matéria o Conselho limitou-se a tomar nota da comunicação da Comissão que analisa as opções para ir além do objectivo de 20% de redução das emissões de gases com efeito estufa e a afirmar que deverá voltar a debruçar-se sobre a questão das alterações climáticas no Outono, antes da Conferência de Cancun.
Em síntese, aprofunda-se o federalismo e insiste-se nas políticas neoliberais, remetendo, como, aliás, tem sido hábito, as questões sociais e ambientais para outras núpcias.
Numa altura em que a Europa se encontra envolvida numa profunda crise, o bom senso recomendaria que se procedesse a uma análise e a uma séria reflexão sobre as políticas que a provocaram, que se parasse para pensar, que se considerassem outros caminhos que não passassem forçosamente pelas políticas neoliberais, mas, ao invés disso, insiste-se nas políticas que provocaram a crise, nas políticas responsáveis pelo retrato social que vivemos: desemprego; precariedade; salários em atraso; vencimentos abaixo do salário mínimo nacional; enfraquecimento dos serviços públicos; penalizações nas reformas; cortes nos apoios sociais; agravamento da dependência alimentar; aumento da produção de organismos geneticamente modificados; destruição da nossa biodiversidade; e, por fim, claro, a delapidação do nosso património colectivo através das privatizações.
É esta a Europa que temos, porque é também esta a Europa que os governos estão a construir. E, depois, queixam-se e encomendam estudos para compreender os elevados níveis de abstenção e a distância dos cidadãos em relação à política. Não admira, porque os cidadãos deixaram de ser considerados, o que interessa é o mercado e só o mercado. É esta, enfim, a Europa que temos.
O que não temos é um Governo capaz de agir com firmeza quando nos vêem falar da necessidade de voltar a mexer na legislação laboral, penalizando quem trabalha; o que não temos é um Governo capaz de agir com firmeza quando nos vêem falar da possibilidade de a União Europeia poder proceder à fiscalização prévia do nosso Orçamento do Estado. O que temos é um Governo que ainda não percebeu que, de facto, chegou o momento de agir, mas agir contribuindo para uma Europa mais social.