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15/07/2010
Debate sobre o Estado da Nação - pobreza, desemprego, energia
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
- Assembleia da República, 15 de Julho de 2010 -
 
 
 
 
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Os Verdes também acham que seria extraordinariamente importante haver em Portugal um governo realista, porque um governo realista seria um governo que conheceria os problemas e conseguiria encarar esses problemas.
Ocorre que Os Verdes já têm dito, em diversos debates parlamentares, que este Governo perdeu a noção da realidade e o discurso do Sr. Primeiro-Ministro, hoje, foi bem prova disso.
O Sr. Primeiro-Ministro não vive neste País. Criou um país ilusório, um país virtual, que não corresponde, de facto, ao País real que temos. É por isso que estou em crer que a generalidade das pessoas que estão a assistir a este debate não se consegue rever no discurso que o Sr. Primeiro-Ministro fez.
Sabe qual é, talvez, um dos maiores problemas que os portugueses enfrentam hoje em dia? É o de terem o Governo que têm, porque é um Governo irrealista e insensível aos problemas do País.
Não. Um governo do PSD também não é solução, Sr. Deputado Francisco de Assis. Mas o senhor sabe que eles andam à espreita!
E os senhores não se armam à esquerda para tentar, de facto, resolver os problemas do País e para que os portugueses se revejam nas vossas políticas. Não! Fazem o jogo deles. Eles jogam convosco e o País afunda-se. É assim, Sr. Deputado Francisco de Assis.
Mas vamos, então, aos dados que o Sr. Primeiro-Ministro aqui apresentou.
Falou de uns inquéritos do INE. Os portugueses devem estar, neste momento, a questionar-se se estamos a fazer um debate sobre o estado da Nação de 2010, de 2008 ou de 2005, porque há quem tenha interesse em discutir o passado e não o presente. Porque será? — questionamo-nos nós.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, não são esses mesmos inquéritos do INE que falam de uma maior intensidade da pobreza? Não são esses mesmos inquéritos do INE que dizem que o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, ou seja, entre os extremos, aumentou? Não é, Sr. Primeiro-Ministro? É! É!
E, porventura, esses dados que o Sr. Primeiro-Ministro nos deu, relegou-os para fora de um dos países da Europa com maior risco de pobreza? Não! Mas disso o Sr. Primeiro-Ministro não falou. Ou seja, o esforço não foi suficiente, podíamos ter ido muito mais longe, e os portugueses sabem disso.
Mas, agora, falemos sobre o ano de 2010. Não há nenhum dia que não vejamos na televisão instituições que lidam diariamente com a pobreza a indicar-nos claramente que a realidade é a de que chegam mais pessoas pobres no dia-a-dia.
São cada vez mais. Essa intensidade é cada vez maior. Isto não vos diz nada? Tapamos os olhos? Tapamos os ouvidos? Não, Sr. Primeiro-Ministro. Encaremos a realidade e lidemos com essa mesma realidade.
Também me parece que o Sr. Primeiro-Ministro fez aqui uma coisa que não é séria: deu a entender aos portugueses que os números do desemprego estão a diminuir, fazendo de conta que as políticas do Governo estão a entrar na lógica da diminuição do desemprego, e isso é absolutamente falso.
Os dados do INE são claros relativamente ao engrossar do desemprego neste País, com subidas e subidas consecutivas. As estimativas não são nada animadoras, como o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe, e não comparou os números do desemprego — aqueles dados de que falou, do emprego registado — com o mesmo mês do ano anterior, porque, pese embora a sazonalidade do mês de Junho, o que acontece é que a taxa de desemprego, ainda assim, é maior do que a do ano passado, no mês homólogo.
Ou seja, estes são dados animadores? Não foi isto que o Sr. Primeiro-Ministro tentou transmitir ao País. Mas esta é que é a verdadeira realidade do País e, quando o Governo não a encara, vai por mau caminho.
Falou também da componente energética. Sabe, Sr. Primeiro-Ministro, continuamos a ser dos países da União Europeia que consomem mais energia por unidade de riqueza. É claro que, quando a riqueza diminui, o consumo energético tem, necessariamente, que diminuir. O problema é que manifestamos o nosso subdesenvolvimento quando continuamos a consumir muito e muito mais energia por cada unidade de riqueza que produzimos.
Sr. Primeiro-Ministro, termino dizendo que a insensibilidade do Governo demonstra-se nisto: corte no investimento público, aumento dos impostos, inclusive do IVA, ou seja, nos bens essenciais. A quem é que toca mais? Aos mais pobres. Corte nos salários, redução do subsídio de desemprego… Agora, até temos uma novidade em Portugal, que é — se não fosse tão sério, era para dar gargalhadas! — o Sr. Ministro da Ciência a dizer que quem recebe bolsas, no ensino superior, são estudantes riquíssimos, são estudantes que têm um vastíssimo património, que têm contas bancárias chorudas… Ora, isto tem que acabar. A demagogia não pode chegar a tanto, Sr. Primeiro-Ministro. É esta a lógica dos estudantes a quem atribuímos bolsas? Não. Mas os senhores, para tentar criar uma capa de justiça, o que fazem é arranjar o argumento demagógico, que é completamente irrealista e que não existe, porque não existe, efectivamente, de cortar a bolsa, cortar subsídios…
A vossa acção social é o corte nos subsídios sociais, e isto é verdadeiramente inadmissível, especialmente numa altura em que o País vive os problemas que vive.
Sr. Primeiro-Ministro, o grande problema do País é ter um Governo que, em vez de resolver os problemas, causa mais problemas. Os senhores não confiam nos portugueses. Os senhores não conseguem nem querem pôr os portugueses como agentes dinamizadores da economia, como geradores dessa dinâmica económica. Não querem! E por isso, fazem os cortes que fazem, e isso é absolutamente inaceitável.
Sr. Presidente, não quero terminar sem, antes, referir o seguinte: eu já disse que aqueles senhores, do PSD, estão à espreita. Também já disse que o Partido Socialista tem que virar à esquerda para resolver estruturalmente os problemas deste País. Não quer, mas estamos a entrar — julgo eu e julgam muitos portugueses! — numa fase de campanha eleitoral, Sr. Primeiro-Ministro, porque em 2011 eles querem «abocanhar», repito, querem «abocanhar», e o Sr. Primeiro-Ministro está a ajudar.
Ajuda! Ajuda com as más políticas que faz!
Sr. Primeiro-Ministro, quero hoje, em 2010, perguntar-lhe que medidas de campanha eleitoral traz aos portugueses desta vez. Sabe porquê? Em 2009, a sua lógica foi de anúncio de subsídios, anúncio, anúncio… Porquê? Estava uma campanha eleitoral à porta! Assim que chegou ao poder, qual foi a lógica? Cortar em todos os subsídios anunciados.
Quais são as boas novas da próxima campanha eleitoral, Sr. Primeiro-Ministro?
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, eu falo nos números da pobreza e das desigualdades, como já disse, porque os considero um indicador da boa governação e também porque acho que esses indicadores e a sua redução — em particular entre 2004 e 2009 —, referentes a rendimentos do ano anterior, são a confirmação de que o Estado social produz resultados. Fiz-lhes referência, no essencial, para demonstrar a importância que tem o Estado social. Se formos ver o risco de pobreza antes das prestações sociais, esse valor andaria na ordem dos 40%. Seria esse o valor, quer em termos de risco de pobreza, quer em termos de desigualdades, se o nosso Estado social não existisse. Foi por isso que falei no Estado social.
Mas a Sr.ª Deputada não vê mérito em lado nenhum e eu não tenho também tempo para discutir isso consigo. Lamento que não veja a questão de outra forma.
Quero dizer-lhe o seguinte, Sr.ª Deputada: quanto à condição de recursos, essa é uma reforma estrutural que é necessária ao nosso Estado social.
O que é a condição de recursos? É apenas isto: cada beneficiário do apoio do Estado tem que demonstrar que necessita desse apoio. E a Sr.ª Deputada acha que não devemos fazer isso.

O que é que essa condição de recursos vem trazer de novo? Diz assim, por exemplo, para as bolsas de estudo: quem tiver 100 000 € depositados no banco, não tem direito a bolsa de estudo. A Sr.ª Deputada acha que essa restrição é uma limitação ao acesso? A Sr.ª Deputada quer dar bolsas de estudo ao estudante cuja família ou ele próprio têm 100 000 € depositados no banco?
Com certeza que não!
Se concorda comigo, a condição de recursos vem apenas em benefício do Estado social. Mas os Srs. Deputados não querem ouvir nada, o que querem é manter tudo como está. Qualquer reforma que venha do Partido Socialista é sempre mal vinda e qualquer iniciativa não vem no sentido correcto.
O que eu acho é que a Sr.ª Deputada é que vive num país virtual, que é o país que considera a sua ideia — a de um país que segue agora o que dizem Os Verdes e que está ansioso por um governo de Os Verdes, governo, esse, aliás, que resolveria todos os problemas do País!! Lamento, Sr.ª Deputada, mas isso é que me parece uma realidade demasiado virtual para podermos discuti-la num debate sério sobre política.

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