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25/03/2011
Debate sobre produção nacional
Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
- Assembleia da República, 25 de Março de 2011 -
 
 
 
 
1ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, quem ouvisse a sua intervenção diria que o sector da agricultura em Portugal está magnificamente bem.
«E está», dizem os Srs. Deputados!
É importante que isto se diga para que os agricultores, lá fora, saibam o que se diz aqui, no Parlamento, porque eles sabem o que sentem na pele e o que vivem concretamente no sector da agricultura. Ora, sobre essa relação entre aquilo que os senhores dizem e o que sentem os agricultores não digo mais nada porque as leituras são perfeitamente claras.
A intervenção do Sr. Secretário de Estado resumiu-se mais ao menos a uma série de lugares comuns e de chavões, tais como «estamos perante um sector estratégico», «estamos a melhorar o funcionamento», «estamos a dar um novo impulso», «estamos a reforçar a coesão territorial». Ora, só podemos ficar pasmados com estas afirmações!
De facto, as assimetrias regionais acentuam-se neste País e o abandono do mundo rural, por via do abandono da agricultura, é um dos factores fundamentais, com maior responsabilidade nesta falta de coesão territorial. Mas o Sr. Secretário de Estado vem aqui dizer exactamente o contrário!
O Sr. Secretário de Estado diz que estamos a aumentar o solo agrícola, mas vamos ver o Relatório do Estado do Ambiente e este dá-nos a afirmação contrária, ao dizer que continuamos a perder solo útil agrícola. Então em que ficamos?!
Sr. Secretário de Estado, valerá bem a pena vir aqui «pintar o quadro» que lhe interessa, mas a realidade é outra e é perante essa realidade que temos de nos centrar, porque o despovoamento do mundo rural é uma evidência, porque a desertificação de solos é também uma evidência, porque, nos últimos 20 anos, perdemos mais de 300 000 explorações agrícolas. É uma evidência porque o sector da agricultura não tem sido nada estratégico. Mas também, justiça seja feita, Sr. Secretário de Estado, não foi só por parte deste Governo, pois todos os sucessivos governos se têm orientado da mesma forma.
O que é que aconteceu? Como todos sabemos, quando aderimos à então CCE, hoje União Europeia, éramos dependentes do exterior, em termos alimentares, em 25%. Actualmente, somos dependentes do exterior ao nível alimentar em mais de 70%. A que é que isto se deve? Deve-se, naturalmente, a políticas que têm sido prosseguidas, que nos tornam cada vez mais dependentes do exterior ao nível alimentar e à nossa subserviência a uma política agrícola comum que pagou a Portugal para abandonar a sua produção. Porquê? Para favorecer os grandes da União Europeia. Por exemplo, países como a França ou a Alemanha estão, nessa perspectiva, muito melhor do que Portugal e acabaram com a agricultura dos pequenos para que estes se tornassem o mercado deles, estando dependentes deles. É esta a solidariedade europeia.
Sr. Secretário de Estado, não vou colocar-lhe uma pergunta em concreto sobre pormenores, porque já quase adivinho o que seria capaz de dizer. No entanto, esta tendência de dependência do exterior ao nível alimentar tem de ser alterada. O Sr. Secretário de Estado dirá que está a ser alterada, mas quero saber a perspectiva do Governo, porque seguramente que o Governo, quando pensa, pensa também a longo prazo. Assim, pergunto-lhe, segundo o que o Governo está a perspectivar e a praticar, como é que estaremos ao nível da nossa dependência alimentar daqui a 10 anos.
Como é importante começarmos a pensar não apenas no imediato e a curto prazo mas a médio e longo prazo, Sr. Secretário de Estado, por favor, responda-me com uma visão daqui a 10 anos: como é que estaremos na nossa lógica da dependência alimentar?

2ª INTERVENÇÃO

Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Neste encerramento, gostaria de fazer uma breve anotação à intervenção do Sr. Deputado Miguel Freitas, do PS, isto porque confesso que fiquei absolutamente pasmada com a sua intervenção, Sr. Deputado…!
O Sr. Deputado está a fazer aquele joguete que o PS agora fará, daqui para a frente, sem dúvida, que é jogar com a falta de memória das pessoas. Passou tão pouco tempo, Sr. Deputado, mas o senhor dá a ideia de que os juros da dívida estavam a descer!… Mas não estavam! Estavam a subir! Não tinha reparado nisso?!…
O Sr. Deputado dá ideia de que o Governo estava a propor o aumento de investimento público. Mas não estava, Sr. Deputado! Estava a cortar brutalmente o investimento público! Não me diga que não tinha dado por isso, Sr. Deputado!?…
O Sr. Deputado dava ideia até de que o Governo estava a inundar as famílias de poder de compra. Mas não estava, Sr. Deputado! Estava a retirar poder de compra, de forma esmagadora.
O Sr. Deputado dava até ideia de que o Governo não tinha proposto um PEC que propunha recessão para 2011…!
Bem, penso que é preciso as pessoas acordarem, de uma vez por todas, para perceberem exactamente o que ouvem e o que realmente se passa.
Pois, o Sr. Secretário de Estado, obviamente, não deu resposta aos Verdes. Nem podia dar! E não podia dar porque o Governo não tem objectivos de médio e de longo prazos, nem políticas traçadas para cumprimento de objectivos concretos e de metas concretas no que diz respeito ao nosso défice alimentar. É claro que não podia responder! É óbvio que não podia responder, porque as metas traçadas estão todas noutro défice, no défice orçamental, naquele que nos tem estrangulado completamente!
É preciso criar outros objectivos, designadamente de desenvolvimento do País e perceber que, quando combatemos o nosso défice alimentar, também estamos a contribuir de forma muito directa para a regularização das nossas contas públicas. É porque a nossa menor dependência do exterior tem obviamente reflexos nas nossas contas públicas e no facto de podermos endireitar as nossas contas públicas. Mas é lamentável que o Governo nunca tenha percebido ou não tenha querido agir nesse sentido.
E depois, à falta de argumentos, ouvem-se coisas «esquisitas»…, se assim posso dizer: ouvimos o nosso Ministro da Agricultura afirmar, numa entrevista pública, que se Portugal tivesse de viver apenas com o seu solo, teria uma capacidade para 84% do que consome, mas que o nosso défice alimentar é gerado pelas opções individuais de consumo dos portugueses… Quer dizer, os portugueses agora é que são os culpados do nosso défice alimentar e não as políticas agrícolas que degradam a nossa produção agrícola!?…
O Sr. Secretário de Estado, à falta de argumentos, veio aqui dizer que os Srs. Deputados não trazem propostas… Mas nem vou dizer que isso é mentira, porque o Sr. Secretário de Estado sabe que isso não é verdade e seguramente conhece as diversas propostas apresentadas por todos os grupos parlamentares! Por todos os grupos parlamentares, atenção…, mas de forma muito diferente, porque há objectivos muito diferentes entre as propostas dos vários grupos parlamentares. E, à minha direita, atenção a muitas das propostas que dali vieram!… E do PS também vieram propostas mirabolantes, é importante dizê-lo!…
E eu gostaria de relembrar uma proposta que Os Verdes apresentaram há relativamente pouco tempo, que justamente não teve o apoio nem do PS, nem do PSD, nem do CDS. Era uma coisa tão simples quanto isto: que nos hipermercados portugueses houvesse uma quota mínima de presença de produtos nacionais, para que as pessoas, quando se dirigissem a esses mercados, pudessem fazer a opção, que muitas vezes não têm, de adquirir produtos nacionais. Chumbaram a proposta, porque isso «feria» o mercado! Ai Jesus, o mercado!!…
Portanto, como se vê, há objectivos e políticas que não são verdadeiramente objectivo de desenvolvimento do País por parte de muitas forças políticas aqui, na Assembleia da República.
Mas o Sr. Secretário de Estado depois vem dizer assim: «Ah, mas nós temos instrumentos de políticas de apoio importantes». Sr. Secretário de Estado, pois sabe o que é que resulta nesses instrumentos de apoio? É que 3% das explorações nacionais «comem» completamente 60% das ajudas directas! Isto não deveria levar o Governo a fazer alguma leitura sobre a injustiça e sobre o estrangulamento à agricultura familiar?
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