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04/02/2010
Debate sobre saúde e listas de espera
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
no debate sobre saúde e listas de espera


 

No primeiro semestre de 2009 existiam 170 mil utentes em listas de espera para cirurgia e, em muitos casos, os utentes chegam a esperar mais de um ano pela sua vez. Relativamente às consultas, estão em lista de espera 475 mil utentes, não se conseguindo cumprir o que, sobre a matéria, está legalmente estabelecido.

São estes os tristes números que resultam da leitura do Relatório de Actividade Cirúrgica Programada, produzido pelo Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para cirurgia e referente ao primeiro semestre de 2009.

Perante este cenário, e como se não fosse suficiente, o Programa de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas encontra-se aparentemente suspenso, o que significa que um número indeterminado de operações não está a ser realizado em muitos hospitais.
É verdade que não estão suspensas as cirurgias que possam eventualmente colocar em risco a vida do doente, mas é evidente que as listas de espera vão aumentar porque, pelo menos enquanto o Programa se mantiver suspenso, vão entrar mais doentes nas listas de espera do que aqueles que saem, o que vem, naturalmente, agravar ainda mais a situação.

Acresce ainda que, apesar das unidades de saúde estarem legalmente obrigadas a publicar os tempos de espera, muitas não estão a proceder a essa divulgação, pelo menos de forma plena.

Para além disso, as Unidades de Saúde, tantos as públicas como as privadas, convencionadas com o Serviço Nacional de Saúde, podem, nos termos da Lei, ser sancionadas, no caso de desrespeitarem as regras sobre os tempos máximos de resposta garantida e acesso aos cuidados de saúde.

Ora, é público e notório que os Hospitais não estão a cumprir os prazos de atendimento previstos. Há Unidades em todo país que ultrapassam largamente os prazos estabelecidos na Lei e doentes que chegam a esperar um ano para uma consulta de urologia, por exemplo.

No entanto, e apesar desta evidência, não há conhecimento de alguma sanção que tenha sido aplicada pelo facto de se ter desrespeitado o que está legalmente estabelecido relativamente aos Tempos Máximos de Resposta Garantida e acesso aos cuidados de Saúde.

Nem tão pouco, se a Entidade Reguladora da Saúde tem feito averiguações junto das Unidades de Saúde, no sentido de aferir o cumprimento da lei, no que diz respeito a esta matéria.

Por outro lado, a gestão privada, designadamente através das parcerias público-privada, e que o governo está a alargar a vários novos hospitais, e a outros, como é o caso do Hospital do Litoral Alentejano, não serve, na nossa perspectiva, o Serviço Nacional de Saúde e o interesse público.

Aliás, os únicos interesses que ficam assegurados com esta opção são os interesses dos privados envolvidos no negócio e cujos lucros foram recentemente divulgados.

Mas é bom não esquecer que do outro lado estão os cidadãos, os utentes, as famílias. Segundo um estudo da DECO, 6 em cada 10 famílias, sentiram dificuldades em seguir tratamentos médicos devido a problemas financeiros durante o ano de 2009. O mesmo estudo indica que quase metade dos agregados familiares inquiridos se viu obrigado a adiar uma terapia, uma boa fatia interrompeu-a e outra boa parte nem ponderou
iniciá-la, apenas e tão só porque não tinha dinheiro para suportar os custos que a terapia acarretava.

Ou seja, muitas famílias portuguesas adiam, muitas famílias portuguesas interrompem e muitas famílias portuguesas nem sequer chegam a considerar a possibilidade de fazer uma terapia, porque não têm dinheiro para a pagar. E muitas famílias portuguesas acabam por se endividar, como forma de recorrer a serviços de saúde privados, quase todos eles também existentes no Serviço Nacional de Saúde.

Existentes, mas não disponíveis para quando é preciso, porque as longas Listas de Espera acabam por impor uma solução pelo privado.

Ou seja, as Listas de Espera acabam por ser também um mecanismo que potencia, as desigualdades no acesso á Saúde e potenciam ou fomentam essas desigualdades de forma preocupante.

Seria pois oportuno que o Governo procedesse a uma avaliação da experiência que a distância do tempo já vai permitindo e questionasse a opção pela gestão privada, designadamente através das parcerias público-privada, no sentido de aferir se esta opção tem disponibilizado um melhor acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde.

Ou seja, se do ponto de vista do cidadão, do utente, porque já sabemos que para os privados que estão no negócio, é muito melhor assim, mas para os utentes, será que estão melhor servidos?

É que não é isso que a experiência permite constatar, pelo contrário na generalidade dos casos, essa opção levou ao agravamento da qualidade dos serviços prestados, apesar dessa opção, como então se anunciava, se inserir numa política de modernização e revitalização do Serviço Nacional de Saúde, orientada para a satisfação das necessidades do utente. Estas Unidades vão disponibilizar um melhor acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde.

Lia-se no anúncio, em jeito de publicidade enganosa.

Mas, pelos vistos, este anúncio não dispensa a consulta do prospecto. E, de facto, a experiência mostrou que não.

Relativamente à proposta que o CDS/PP aqui nos trás hoje, pode ser uma solução para diminuir as listas de espera para as cirurgias mas não resolve o problema de fundo e o problema de fundo reside exactamente na necessidade do Estado encarar a Saúde como um serviço público da sua responsabilidade e não continuar esta onda de desresponsabilização numa área com a importância que a Saúde representa para os cidadãos.

Para se avançar para esta solução seria suposto, nos termos da lei, que se esgotassem as capacidades do S.NS., o que não está, de todo, claro.

Não vamos, de qualquer forma, inviabilizar o Projecto de Resolução que hoje discutimos, porque as pessoas que estão em lista de espera não têm culpa da situação criada pelo Governo.


 

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