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20/04/2011
Debate sobre situações de carência nos hospitais e maternidades
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
- Assembleia da República, 20 de Abril de 2011 -
 
 
 
 
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados:
Em matéria de política de saúde, o Governo do Partido Socialista quase conseguiu o insólito, quase conseguiu transformar o Ministério da Saúde numa secretaria de Estado do Ministério das Finanças. Foi por pouco! De facto, foi por pouco!
Um Governo que olha para as pessoas e apenas pensa em números limita-se a fazer cortes e pouco mais, desde os cortes na despesa do Serviço Nacional de Saúde até aos planos de restrição nos hospitais, passando pela alteração ao sistema de comparticipação dos medicamentos, no sentido de transferir para os utentes mais uma parte substancial dos custos dos medicamentos, e pelas restrições da comparticipação a 100% nos medicamentos genéricos para os reformados com pensões inferiores ao salário mínimo nacional.
Mas o Governo não se ficou por aqui.
Em primeiro lugar, não só manteve o injusto sistema de preços de referência, instituído pelo Governo PSD/CDS-PP, como ainda baixou em cerca de 30% o preço de referência, aumentando o pagamento por todos os utentes nas situações em que o médico prescreve um medicamento de marca mais caro.
Em segundo lugar, veio o anúncio da descida de 6% no preço dos medicamentos. E quando alguns, ainda que com reservas, consideraram que, finalmente, viria uma boa notícia, perceberam que esta descida, afinal, também era acompanhada de uma descida na comparticipação do Estado, tendo alguns medicamentos sofrido reduções, em termos de comparticipação, que ultrapassam os 30%. Ou seja, a descida do preço acabou por não compensar a quebra na comparticipação e o doente passou a pagar mais pelos medicamentos.
Em terceiro lugar, vieram as limitações no transporte dos doentes. Se calhar, para não aborrecer os mercados, o Governo virou-se para os doentes e simplesmente aconselhou-os a irem de táxi ou a pé para o hospital.
Mas a saga continuou: os desempregados e os pensionistas com rendimentos acima do salário mínimo nacional passaram a pagar as taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde, uma medida acompanhada, aliás, pela gravosa reformulação dos critérios de acesso ao regime especial de comparticipação de medicamentos.
E com um Governo a pensar exclusivamente nos números, os resultados começam a surgir no terreno, com grave prejuízo para os doentes: famílias obrigadas a levar remédios para os internados, porque os hospitais dizem que não têm medicamentos disponíveis, como tem acontecido no Hospital de Cascais, onde os doentes, para terem acesso à medicação, têm de comprar os medicamentos fora do hospital — ao que parece, trata-se de uma prática que tende a generalizar-se; o Centro de Saúde de Coruche esteve cerca de um mês sem poder fazer radiografias, porque não havia material para a sua revelação; no Centro de Saúde de Odivelas faltou papel para colocar nas marquesas onde os doentes se deitam para ser observados.
O Sr. Secretário de Estado ri-se, mas não sei se isto tem assim tanta graça.
Já agora, a propósito de ter graça, lembro-lhe que no Centro da Saúde de Odivelas também faltou desinfectante para algumas observações.
Mas temos mais: há hospitais que estão a limitar o número de doentes que podem ser tratados com recurso a certas técnicas e outros que compram produtos mais baratos, sem, contudo, haver qualquer garantia quanto à sua qualidade.
Por outro lado, há várias tecnologias que não estão a ser aplicadas por falta de verbas, há falta de material e até pressões para se usar o material mais barato e há médicos a operar com três pares de luvas por receio que elas se rompam.
E, como se isto não bastasse, temos ainda hospitais que obrigam os visitantes de doentes internados a pagar cauções para levantar os cartões de entrada, como acontece no Hospital de São Sebastião, na Feira, no Hospital de Guimarães ou no Hospital de Braga.
O Sr. Secretário de Estado confirma. Ainda bem!
E a imaginação é tão fértil que até a Maternidade Alfredo da Costa chegou a pedir donativos aos utentes. A nota de marcação de consulta até tinha o número de identificação bancária da unidade hospitalar para a transferência do respectivo dinheiro.
Foi, de facto, por pouco! Mais uns meses e o Governo transformava mesmo o Ministério da Saúde numa secretaria de Estado do Ministério das Finanças! E dou-lhe os parabéns por ter acabado com este estado de coisas.
É por isso mesmo que os doentes bem podem dizer que a única medida boa que este Governo tomou foi demitir-se, pois foi uma boa medida para a saúde dos portugueses.
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