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17/03/2010
Declaração Política sobre OGM e batata transgénica (autorização de cultivo da Comissão Europeia)
Intervenção da Deputado Heloísa Apolónia
– Assembleia da República, 17 de Março de 2010 -


 

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:

Esta declaração política de Os Verdes visa fazer um alerta a todos os Srs. Deputados e, simultaneamente, um apelo a toda a Assembleia da República relativamente àquilo que se está a passar a nível europeu com os organismos geneticamente modificados.

Srs. Deputados, no início de Março, a Comissão Europeia autorizou o cultivo de dois tipos de batata transgénica de uma multinacional alemã — a BASF — e de mais três novas variedades de milho transgénico, este para comercialização.

Há 12 anos, Sr.as e Srs. Deputados, que na União Europeia não se autorizava o cultivo de espécies transgénicas. A última autorização tinha sido em 1998, com a autorização do cultivo do milho MON 810, da multinacional Monsanto.

Esta batata transgénica, que agora foi autorizada a nível europeu, vai servir para produzir amido e para alimentação animal. Tem um marcador, Srs. Deputados, de genes de antibiótico, que vai ser introduzido na cadeia alimentar, por via da alimentação animal.

A autorização em questão foi muitíssimo polémica ao nível do Conselho Europeu, não obteve, nem de perto nem de longe, unanimidade, nem pouco mais ou menos. Mas, face a esta polémica, cá esteve a Comissão Europeia, empossada há tão pouco tempo, para, imediatamente, tomar, justamente, a decisão de autorizar esta espécie transgénica. Claro! A favor da multinacional do sector agro-alimentar, com todas as incertezas existentes sobre o efeito deste produto, o que levaria, naturalmente, à aplicação do princípio da precaução, que a Comissão Europeia muito apregoa, mas pouco pratica.

Vários países da União Europeia, como a Itália ou a Áustria, já declararam, directa e peremptoriamente, que não darão autorização ao cultivo desta batata nos seus respectivos territórios. A França já mandou a sua autoridade de segurança alimentar analisar este transgénico, porque não confiou na avaliação que foi feita a nível europeu, para, posteriormente, tomar essa decisão.

Ora, a pergunta que se impõe é: onde é que se coloca Portugal no meio de tudo isto? Como se posicionou? O que fez ou o que está a fazer? Foi, justamente, esta a pergunta que ontem, em sede da Comissão de Agricultura, Os Verdes dirigiram ao Sr. Ministro. Eis, senão, quando o Sr. Ministro da Agricultura foi extraordinariamente claro, dizendo que, até agora, Portugal nada fez, nada pensa fazer e deixará tudo ao critério da EFSA, ou seja, da Autoridade Europeia da Segurança Alimentar.

Sr.as e Srs. Deputados, já chega de Portugal não ter cabeça para pensar a nível europeu! Já chega de Portugal não defender os seus interesses e fazer tudo, absolutamente tudo, aquilo que é ditado ao nível europeu!

Aquilo que é possível para outros países, por exemplo, a utilização da cláusula de salvaguarda em relação aos transgénicos, em Portugal acha-se sempre que não é possível utilizar. Ou seja: aquilo que é um mecanismo de defesa para os outros, o Governo português e as maiorias parlamentares acham sempre que não é um mecanismo de defesa para nós. Basta de confiar tanto na União Europeia em detrimento dos nossos próprios interesses — aliás, o PEC, que vamos discutir para a semana, é um exemplo claro de como a União Europeia manda e nós fazemos. Chega! Não podemos mais tolerar estas situações!

É este o alerta que Os Verdes aqui querem hoje deixar, porque mais perigos vêm aí, Sr.as e Srs. Deputados. A Bayer, outra multinacional alemã já pediu à União Europeia autorização para comercializar arroz transgénico. Sr.as e Srs. Deputados, será o primeiro OGM a ir directamente para o nosso prato. Até agora, os transgénicos têm sido utilizados fundamentalmente ao nível da indústria e da alimentação animal, mas este destina-se directamente ao nosso prato, irá directamente para a nossa cadeia alimentar!

É um transgénico criado, Sr.as e Srs. Deputados, para ser resistente a um herbicida. Cai, portanto, por terra a ideia de que os OGM previnem a poluição. Este arroz transgénico será semeado e pulverizado com o herbicida, que deixará o arroz incólume. Adivinham, Srs. Deputados: a Bayer comercializa a semente e o herbicida!! Vejam bem o negócio! E rapidamente, como é natural, deixará de ser só comercializado para passar a ser cultivado. Vejam bem o negócio frutuoso!

Hão-de reparar, Sr.as e Srs. Deputados, que estas multinacionais pegam, a este nível, nos cereais que são a base da alimentação a nível mundial, porque é aí que se faz e se cria a grande negociata e a forma como monopolizarão a alimentação ao nível mundial. Isto é muito, mas muito, grave, Sr.as e Srs. Deputados!!

O apelo que Os Verdes aqui hoje querem deixar é: por favor, estejam atentos, não sejam alheios a estes perigos que nos querem impor!

Sejamos activos a nível nacional e também a nível europeu, em defesa, de facto e concretamente, do princípio da precaução e da saúde pública.

Muito obrigada pela tolerância, Sr.ª Presidente.

Sr.ª Presidente, quero agradecer ao Sr. Deputado Miguel Tiago e às Sr.as Deputadas Rita Calvário e Gloria Araújo as questões que colocaram e dizer o seguinte: Sr. Deputado Miguel Tiago, sim, é verdade que este princípio da precaução está completamente desvirtuado a favor, sempre, dos negócios que são criados em torno do sector agro-alimentar. E, sendo a alimentação um sector vital para a humanidade, é evidente que outra lógica deveria gerir toda esta política em torno da qualidade e da segurança alimentar.

Sr.ª Deputada Rita Calvário, sim, é verdade. Até a legislação que se criou em Portugal para a criação de zonas livres de transgénicos é uma verdadeira aberração, porque foi criada de modo a que elas não pudessem ser criadas. Foi esse o único objectivo do Partido Socialista, que, com maioria absoluta, quis instaurar ao nível legislativo no sentido justamente de abrir todas as portas ao negócio e de não haver barramentos por parte da vontade dos agricultores, designadamente no sentido de não cultivar organismos geneticamente modificados.

Também nos devemos questionar sobre se porventura a França aprovou o cultivo do milho MON 810, da multinacional Monsanto. Por que carga de água, Sr.ª Deputada Glória Araújo, terá a França, há relativamente pouco tempo, feito a proibição daquilo que tinha autorizado há uns anos?... Não lhe passa pela cabeça o que terá acontecido? Não terão sido realizados estudos que indicaram que aquele cultivo estava a ter implicações sobre a saúde pública?

Não?! Diz a Sr.ª Deputada! Pois não! A França é tonta! E então o que fez? Permitiu o cultivo e depois proibiu-o porque passou pela cabeça de alguém. Não! Foi porque naturalmente se concretizou aquilo que a Sr.ª Deputada quer inviabilizar e não lhe passa pela cabeça que se possa fazer em Portugal, porque a Sr.ª Deputada acha que não devemos ser activos nesta matéria. É até uma matéria, se calhar, em relação à qual não deveríamos ter qualquer preocupação. Os outros que façam e que decidam por nós!

Pois não é essa a nossa postura, Sr.ª Deputada! Lamentamos! São questões de liberdade que aqui se colocam!
Se os Srs. Deputados respondessem a esta matéria com tanta veemência como responderam às questões de liberdade de há pouco, estavam os portugueses salvos.

Mas não! Os senhores põem-se com questões laterais, e as questões que são verdadeiramente importantes para a liberdade de opção dos portugueses, essas ficam completamente marginalizadas!

Em relação à evolução científica, Sr.ª Deputada, sabe que há evolução científica para todos os gostos. A Sr.ª Deputada já deveria saber disso. A Sr.ª Deputada até sabe que há estudos científicos que já concluem aquilo que politicamente se concluiu. Ou não sabe? Sabe, com certeza, Sr.ª Deputada, porque não somos ingénuos e não andamos aqui todos a dormir!

A questão é a seguinte: o princípio da precaução não é aquilo que apetece ao PS, Sr.ª Deputada! O princípio da precaução é assim: em caso de dúvida científica, que é exactamente o que acontece ao nível dos transgénicos, aplica-se aquilo que melhor salvaguarda a saúde pública. É tão simples quanto isto!

Por isso é que uns autorizam o cultivo e depois retiram essa autorização. Nós não estudamos, continuamos a cultivar, fazemos tudo o que a União Europeia determina e, Sr.ª Deputada, a União Europeia, face à posição que alguns países tomaram de rejeição liminar deste cultivo, até veio dizer que, «provavelmente, até ao Verão, vamos facilitar a norma para que os países possam rejeitar as autorizações que nós damos». Veja bem, Sr.ª Deputada, ao ponto a que isto chegou!...

Mas sabe qual é a confiança da União Europeia? Haverá sempre uns «pobrezinhos», como o Governo português faz de nós, que aceitarão e abrirão a porta do mercado a estas grandes multinacionais.

É isto! É este o papel que fazemos e recusamos liminarmente esse papel, em favor da saúde pública, dos nossos interesses nacionais e mundiais.

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