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08/10/2010 |
Discussão de iniciativas sobre testamento vital |
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Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
- Assembleia da República, 8 de Outubro de 2010 -
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados:
As quatro iniciativas legislativas que, hoje, estamos a discutir versam sobre uma matéria de extrema importância, porque se trata de estabelecer e regular o direito dos cidadãos a decidirem relativamente à prestação futura de cuidados de saúde na eventualidade de, nessa altura, se encontrarem incapazes de manifestar a sua vontade.
Os Verdes também consideram que é necessário encontrar um quadro normativo capaz de impedir que a perda da capacidade arraste consigo também a perda de um direito, que deixa de ser exercido simplesmente porque a pessoa não consegue exteriorizar a sua vontade. Daí que consideremos que é necessário criar mecanismos que permitam respeitar a vontade livre e esclarecida de uma pessoa, quando e se o seu estado de saúde não lhe permitir dizer da sua vontade.
Neste sentido, Os Verdes acompanham globalmente, ainda que de forma diferenciada, os pressupostos e os objectivos dos quatro projectos de lei em discussão.
Sobre os projectos de lei em concreto, começamos por apreciar os pontos em comum.
Todos eles deixam de fora a questão da eutanásia ou morte assistida, o que nos parece muitíssimo bem, porque se evita misturar realidades distintas ou direitos com alcance substancialmente diferente.
Em todos os projectos de lei é assegurado o direito de objecção de consciência por parte dos profissionais de saúde; todos prevêem a possibilidade de revogação do consentimento ou do testamento; todos acautelam as consequências — se a declaração for contrária à lei, é inexistente e sem nenhuma efeito, no caso do projecto de lei do Bloco de Esquerda, e é limite à eficácia da declaração antecipada, no caso do projecto de lei do PS —; todos prevêem a faculdade de o doente poder nomear um procurador de cuidados de saúde que possa tomar decisões quando o doente está inconsciente; e todos propõem a criação de um registo nacional, embora com algumas variantes.
Portanto, sobre os pontos em comum, Os Verdes estão completamente de acordo.
Relativamente às divergências entre os projectos de lei, há uma que consideramos de fundo e que diz respeito à relevância que é atribuída à vontade do declarante. Temos, por um lado, o testamento vital, tanto no projecto de lei do Bloco de Esquerda como projecto de lei do CDS, sendo verdade que temos mais testamento no caso do projecto de lei do Bloco de Esquerda; e temos, por outro, as directivas de vontade antecipadas, nos casos dos projectos de lei do PS e do PSD.
Ou seja, os projectos de lei do PS e do PSD impõem mais limites na execução das orientações deixadas pelo doente, impõem mais limites na concretização da vontade antecipadamente declarada do doente. No projecto de lei do PS, diz-se que a vontade antecipada de um doente será levada em conta pelos médicos; no projecto de lei do PSD diz-se que o médico deve ter em consideração o conteúdo da directiva.
Ora, nós entendemos que se deve valorizar a vontade da pessoa em causa e, nesse sentido, a declaração de vontade deve ser vinculativa, isto é, os médicos deverão respeitar a vontade expressa, desde que, naturalmente, não contrarie a lei ou não contrarie as boas práticas médicas.
Parece-nos, pois, mais adequado falar de testamento vital mais no sentido que o Bloco de Esquerda lhe dá do que de meras directivas antecipadas de vontade e não concordamos que se considere a validade do testamento pela existência de uma declaração médica, como o faz o CDS-PP. Parece-nos mais adequado atribuir a essa declaração uma natureza meramente facultativa, como faz o Bloco de Esquerda.
Para terminar, refiro a questão da capacidade para a declaração antecipada. No projecto de lei do PSD, exige-se a maioridade e no projecto de lei do PS estabelece-se um mecanismo de representação ou de uma decisão conjunta entre os representantes legais e os jovens de 16 anos. Nós consideramos que, se o efeito da emancipação é o de atribuir ao menor plena capacidade de exercício de direitos, não vemos por que não atribuir capacidade aos emancipados para a declaração antecipada, porque, se tiveram capacidade para se casar, certamente também têm condições de proceder à declaração antecipada.