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22/04/2010
Discussão sobre iniciativas legislativas que visam o combate à corrupção
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
– Assembleia da República, 22 de Abril de 2010 -
 
 
 
 
1ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Neto Brandão, o Partido Socialista traz hoje à discussão um pacote importante em matéria de combate à corrupção, um vasto e largo conjunto de propostas, que vai desde a alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras até ao alargamento do elenco de cargos sujeitos a obrigação declarativa, entre outros, como o novo tipo legal de crime urbanístico.

São iniciativas legislativas que versam sobre matéria importante, algumas das quais já foram, aliás, objecto de discussão nesta Assembleia e nesta Legislatura, mas nem por isso perdem a importância. Portanto, registamos o facto de o Partido Socialista ter agendado o tema da corrupção e que traga para debate este conjunto de propostas.

O combate à corrupção constitui, de facto, um combate necessário para credibilizar as instituições da nossa democracia, mas também um combate imprescindível para devolver mais transparência e rigor na gestão da coisa pública. É verdade!

Neste combate, ganha uma importância decisiva a criação do crime de enriquecimento ilícito, a ser aplicável tanto a funcionários públicos como a titulares de cargos políticos. Sem este passo, creio que o combate à corrupção que o Partido Socialista pretende fica, a nosso ver, coxo e o seu sucesso fica irremediavelmente comprometido.

De facto, a criação deste tipo criminal assume uma importância decisiva para o sucesso do combate à corrupção e para credibilizar a justiça, porque a impunidade com que os cidadãos, tantas vezes, vão assistindo ao enriquecimento estranho ou anormal de pessoas que exercem funções públicas fomenta fortes desconfianças sobre o funcionamento das instituições e sobre a própria justiça. Seria, pois, um apelo à transparência que deve nortear a gestão da coisa pública e, sobretudo, um esforço para responsabilizar as pessoas que têm essa missão perante os restantes cidadãos.

Portanto, Sr. Deputado, considerando que o agendamento acaba por ser o combate à corrupção, gostaria que me dissesse se não lhe parece que a criação do crime de enriquecimento ilícito poderia, neste contexto, representar uma peça fundamental no combate à corrupção e, por outro lado, tal como referiu na sua intervenção, ser um contributo para a solidez da nossa democracia.

Sr. Deputado, não considera possível proceder-se a essa criminalização respeitando as garantias constitucionais, tanto a nível penal como a nível processual penal, e, em primeiro lugar, com a presunção da inocência e com tudo o que isso implica, desde logo a inversão do ónus da prova? Não considera que se o ónus da prova recair sobre o Ministério Público no âmbito dos seus poderes de investigação, face à prova da desproporção entre o património e os rendimentos normais que decorrem do exercício de determinada função, neste caso, e perante esta solução, as garantias constitucionais estariam devidamente asseguradas?

2ª INTERVENÇÃO

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por lembrar, não só ao Sr. Deputado Filipe Neto Brandão mas também à bancada do Partido Socialista, que o Estado português, através da Convenção das Nações Unidas conta a Corrupção, assumiu o dever de introduzir o crime de enriquecimento ilícito na sua arquitectura legislativa em matéria penal.

Quando essa Convenção, também conhecida como a Convenção de Mérida, foi discutida nesta Assembleia — subiu a Plenário em Junho de 2007 e, recorde-se, foi aprovada por unanimidade —, ninguém levantou reservas sobre a sua conformidade com a Constituição, ninguém questionou a sua constitucionalidade, ninguém veio dizer que Portugal não podia assumir esse compromisso porque, ao fazê-lo, estaria a violar o princípio constitucional da presunção da inocência e também ninguém vislumbrou a inversão do ónus da prova. Portanto, na nossa perspectiva, o combate à corrupção ficaria muito mais fortalecido se se atribuísse relevância penal ao enriquecimento ilícito.

Mas não é por esse facto que deixamos de acompanhar o Partido Socialista nas iniciativas legislativas que hoje trouxe aqui para discussão. Já o referi hoje, e volto a dizê-lo: são propostas importantes que podem ajudar e assumir-se como verdadeiros instrumentos no combate à corrupção, um combate na defesa e na afirmação de uma cultura de responsabilidade.

Os Verdes vão votar a favor das propostas que estão em discussão, tanto as do Partido Socialista como as do Partido Comunista Português.

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