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05/05/2010 |
Estatuto do aluno e violência escolar |
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Intervenção da Deputada Heloísa Apolónia
– Assembleia da República, 5 de Maio de 2010 -
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero deixar aqui uma nota prévia, que tem a ver com aquilo que se diz, com as propostas que se vão apresentando, com as experiências que se vão fazendo na área da educação e os seus resultados, que às vezes se querem ver e outras não.
A propósito da prova de recuperação, já aqui focada por outros Srs. Deputados, ela foi apresentada pelo Governo como uma magnífica solução para o problema do abandono e do próprio insucesso escolar. Não se percebia exactamente como, mas o Governo achava que era a solução que contribuiria enormemente para estes objectivos. Verificámos, inclusivamente, que o Sr. Primeiro-Ministro considerou publicamente que estas provas de recuperação eram um meio que estava a contribuir directamente para diminuir o abandono escolar.
Ora, todos os grupos parlamentares criticaram esta pseudo-solução e as escolas, os professores, as associações de estudantes, toda a comunidade escolar, em todo o País, estavam contra esta solução do Governo. Hoje, o Governo vem admitir, em relação à prova de recuperação, que esta promove uma sobrecarga de trabalho para os professores sem que se vislumbre um impacto desse esforço na melhoria das aprendizagens e no sucesso escolar dos alunos, antes constituindo razão de desmotivação e prejudicando o exercício das funções docentes. Nós não diríamos melhor!
O problema é que houve muita gente que disse isto há muito tempo e o Governo não quis ouvir. Quando o Governo não quer ouvir, não há hipótese! Mas é evidente que há coisas tão óbvias que há alturas em que ele tem de «dar a mão à palmatória». Os senhores, com este regime, prejudicaram as escolas portuguesas, e é disso que os senhores têm de ter consciência. Com a vossa própria mão, directamente, prejudicaram as comunidades escolares e as escolas. Entretanto, a prova de recuperação é erradicada, e bem.
O que Os Verdes gostariam de dizer é que o Estatuto do Aluno deve ser um reporte de direitos e deveres bem explícitos, para que toda gente os compreenda e para que toda a gente esteja associado a eles. Ocorre que tal não acontece, e, para isso, nem é preciso ler o articulado, basta ler o preâmbulo, que dá nota da intenção do Governo. Aquilo que verificamos é que se trata de um autêntico código de processo disciplinar. Esta alteração ao Estatuto do Aluno não tem outro objecto, tem apenas esse! Ora, é uma perspectiva errada, é um princípio errado, na nossa perspectiva.
Prevê-se aqui uma série de medidas cautelares e sancionatórias, entre as quais a ordem de saída da aula. Todos sabemos exactamente o que isto significa e, por isso, pergunta-se: há uma ordem de saía da aula e o aluno dirige-se para onde? Onde é que está o auxiliar de educação para poder prestar acompanhamento e apoio a esse aluno? Não há! São claramente insuficientes. Para o Governo, isso não importa. Saiu da sala de aula e a prevenção aconteceu. Agiliza-se o processo de suspensão dos alunos nas escolas e o aluno segue para onde? Ao Governo não importa. Interessa que saiu da escola!
Acontece que, depois, há sempre um retorno à escola. Mas em que condições? E passamos a vida nisto. Mas passamos a vida nisto porquê? Porque, entretanto, com todos estes objectivos que o Governo estipula no Estatuto do Aluno, aquilo que não acontece é a formação de uma verdadeira escola segura, apetrechada de meios humanos que possam responder às necessidades destes alunos.
Srs. Membros do Governo, um aluno que, na vida, não conheceu outra coisa a não ser violência familiar, que tem em casa um ambiente que talvez não seja imaginável para muitos de nós, não acham que esse aluno tenderá, naturalmente, a retomar esse comportamento, reflectindo-o na escola? Todos sabemos que sim!
Esses actos de violência não devem ser ignorados nem tolerados, como é evidente, mas têm que ter uma resposta na escola muito mais adequada do que aquilo que o Governo insiste em propor, ou melhor, em não propor.
Se a escola é promotora da igualdade de oportunidades, se a escola deve ser promotora da compensação e do apoio aos alunos, tem de olhar para cada caso individualmente e conseguir dar a resposta adequada.
Mas aqui vamos novamente às necessidades para as quais o Governo não quer olhar.
Não há auxiliares de educação – são em número claramente insuficiente.
Quanto ao número de alunos por turma, o Governo foi tão célere em encerrar escolas com um número reduzido de alunos e não consegue olhar e agir sobre as turmas superlotadas, onde os professores não conseguem dar resposta às exigências de três dezenas de alunos. É impossível!
Quanto às equipas multidisciplinares para poderem auxiliar os alunos com mais necessidades de apoio, não existem.
Relativamente à promoção da gestão democrática da escola, de modo a criar um maior incentivo à participação cívica e colectiva dos alunos, também não existe.
Ou seja, não há nada daquilo que suporta, como pilar, a formação da igualdade de oportunidades e o apoio aos estudantes em função das necessidades de cada um. É por isso que este Estatuto do Aluno continuará a promover as dificuldades com que os nossos alunos, os nossos professores e a nossa comunidade escolar se confrontam. Nesse sentido, Os Verdes lamentam que se tenha perdido mais uma oportunidade.