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26/05/2010
Projecto de Lei 283/XI/1 do PEV – Estabelece o direito de consumir local e Projecto de Lei 284/XI/1 do PEV com vista a introduzir informação ao consumidor sobre o preço de compra ao produtor dos géneros alimentícios
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
- Assembleia da República, 26 de Maio de 2010 -
 
 
 
“Os Verdes” trouxeram hoje para discussão duas iniciativas Legislativas, que visam não só, facultar ao consumidor a possibilidade de poder optar por produtos nacionais, mas também a possibilidade de poder ficar a saber quem é que fica com a maior fatia do bolo, em termos de lucros, no que diz respeito aos produtos alimentares.
Se entre o preço pago ao produtor e o preço que o consumidor final paga pelo mesmo produto, vai uma diferença abismal, os consumidores têm o direito de saber a quem é que estão a dar a maior parte dos lucros.
Nesta matéria, o que se pretende, é tão só, permitir que os consumidores possam fazer escolhas conscientes. E estas opções conscientes, só se tornam objectivamente possíveis, se o consumidor estiver na posse de todas as informações e se conhecer todas as regras do jogo, e do jogo todo, ou seja, desde o preço pago ao produtor até ao preço que o consumidor acaba por pagar nas caixas das grandes superfícies.
O que é para “Os Verdes” fundamental é permitir que os consumidores, querendo, possam assistir ao filme todo e não apenas ao seu final, que normalmente só tem um final feliz, para os agentes intermediários.
Em nome da transparência do mercado, é, pois imperioso que os consumidores tenham a possibilidade de saber quem são os verdadeiros artistas deste filme. Um filme que bem podia chamar-se “Os mistérios do Mercado”, e não sendo um filme de ficção, qualquer semelhança com a realidade, não seria, infelizmente, pura coincidência.
E esta iniciativa legislativa que “Os Verdes apresentam não é contra ninguém, nem contra o mercado, nem contra a iniciativa privada, mas a favor da transparência do mercado e a pensar nos direitos dos consumidores, face aos novos formatos que, as compras dos produtos alimentares foram ganhando, no modelo social dos nossos dias.
Um modelo social que, numa outra perspectiva, exige também que aos consumidores seja atribuído o direito de poderem optar por produtos locais. O que só é, de facto, possível se esses produtos estiverem nas prateleiras, porque se não estiverem disponíveis não podem ser objecto de escolha ou opção.
E é o que realmente acontece hoje, muitas das superfícies comerciais, pura e simplesmente não dispõem de produtos alimentares nacionais.
Não há à venda, e se não há, não podem ser, nem sequer considerados, como opção, obrigando o consumidor a levar produtos que andaram quilómetros e quilómetros para chegar até si, com tudo o que isso representa, ao nível da qualidade dos produtos, mas também ao nível ambiental.
De facto, como se sabe, o transporte de produtos, sobretudo alimentares, interfere na sua conservação e na sua qualidade.
E se o ingrediente mais importante de qualquer produto alimentar, é a sua segurança, torna-se pois necessário ponderar outras formas de produção e de consumo, nomeadamente no que diz respeito á sua relocalização.
Não se compreende que uma parte significativa da nossa alimentação tenha de percorrer centenas e milhares de quilómetros, quando em muitos casos as nossas produções locais ficam por escoar, como sucede com o Leite.
A indústria leiteira nacional tem cerca de 70 milhões de litros de leite em stock, mas as grandes superfícies estão a importar leite da Alemanha e da Polónia e a vende-las em Portugal, como marcas brancas.
Acresce ainda que o transporte de produtos, em larga escala, tem implicações ambientais graves, que devem também ser consideradas neste contexto, face á necessidade imperiosa de reduzir as emissões de gases com efeito estufa e por essa via combater as alterações climáticas.
Mas esta iniciativa Legislativa tem ainda outra preocupação, que se prende com a necessidade de apoiar a nossa produção agrícola, criando as condições para o escoamento dos produtos nacionais e de contribuir para a nossa soberania alimentar.
È um esforço, um contributo para procurar inverter a situação com que hoje se confronta a nossa produção agrícola, que durante anos e anos, tem vindo a ser destruída.
Segundo dados do INE, entre 2005 e 2008, os Agricultores Portugueses, tiveram uma quebra no rendimento global de 11%, o que foi determinante para continuarmos a assistir ao desaparecimento de explorações agrícolas, que nos últimos 20 anos, totalizam já 300 mil explorações, ou seja, em cada hora que passa desaparecem duas explorações agrícolas em Portugal.
Como consequência, assistimos ao sistemático abandono da terra, ao empobrecimento e esvaziamento da população agrícola e à ruína dos pequenos agricultores.
E o resultado aí está, Portugal foi conduzido a uma crescente vulnerabilidade e dependência agro-alimentar.
Hoje importa-mos entre 60% a 80% da alimentação de que o país necessita.
Mas a destruição da nossa soberania alimentar não acontece por acaso, é fruto das opções dos sucessivos governos, com as consequências económicas e sociais que todos conhecemos.
E uma delas reside exactamente na dificuldade com que se deparam os agricultores portugueses no escoamento dos seus produtos, face ao monopólio da grande distribuição.
De facto, a destruição dos pequenos circuitos de comercialização e o controlo do comércio de alimentos por parte das grandes empresas de distribuição e comercialização, estão a sufocar completamente a pequena e média agricultura em Portugal.
De 1995 até hoje, desapareceram cerca de 50% das mercearias, então existentes e hoje as grandes empresas de distribuição e comercialização controlam 85% do volume de vendas.
E como é sabido, estas grandes empresas em pouco ou nada contribuem para escoar as produções das pequenas e médias explorações agrícolas, dadas as suas dificuldades de reposta às exigências de fornecimento impostas pelas grandes superfícies, que acabam por ir cada vez mais longe buscar os produtos alimentares para colocarem nas prateleiras e para os Portugueses consumirem.
È portanto altura de procurar inverter também este filme, com contornos de dramatismo real, onde o protagonista, o único protagonista é sempre o mais forte, ou o mercado, como diz o PS.
E esta Assembleia não pode continuar a assistir, na plateia, impávida e serena, como se nada se estivesse a passar, como se fosse apenas um filme.
Por nós, e como sabemos que não se trata de um filme, consideramos que as grandes superfícies comerciais deviam colocar sempre à disposição dos consumidores, produtos alimentares nacionais, como forma de garantir aos consumidores o direito de consumir local, contribuindo também para o combate às alterações climáticas e sobretudo valorizando a produção agrícola nacional.
Para terminar, queria sublinhar o esforço que o PS e o PSD, tiveram que fazer para arranjar argumentos no sentido de não permitir a viabilização destas iniciativas.
E é pena termos de concluir que vamos continuar a assistir a este filme, agora, como aliás no passado, com a realização e produção daqueles que hoje, tem mais um motivo para pedir desculpas aos agricultores portugueses:
o PS e o PSD, os grandes responsáveis pela situação actual da nossa agricultura e dos agricultores portugueses. Tudo em nome do mercado.
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