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31/03/2011
Projecto de resolução - Recomenda ao Governo que adopte um procedimento especial de combate à precariedade e aos falsos recibos verdes
Intervenção do Deputado José Luís Ferreira
- Assembleia da República, 31 de Março de 2011 -
 
 
 
 
Sr.ª Presidente, Sr. as e Srs. Deputados, sob as mais variadas formas, contratos a termo, contrato temporário ou falsos recibos verdes, a precariedade tem vindo a tomar conta da realidade laboral no nosso País.
Instalou-se de tal forma que até o Estado, que devia dar o exemplo aos privados, acaba por recorrer ao expediente fácil da precariedade, sobretudo com o recurso sistemático aos recibos verdes.
De facto, para além da imoralidade que constitui a precariedade na Administração Pública, ela é particularmente preocupante pelo efeito imitação que induz no mercado laboral privado, pelo mau exemplo que é dado pelo Estado às entidades patronais.
Todos os estudos e relatórios, ano após ano e de diferentes entidades, como a Organização Internacional do Trabalho ou o EUROSTAT, não só colocam Portugal nos lugares cimeiros ao nível da precariedade laboral como assinalam de forma inequívoca que a precariedade é uma realidade que tem vindo a ganhar peso e a assumir dimensões preocupantes.
Portugal foi um dos países da União Europeia com mais precários na última década.
Ora, num cenário negativo de médio prazo e profundamente desfavorável para quem trabalha, apesar de ser o motor do desenvolvimento e de criação de riqueza, o que vemos é um crescimento dos salários sempre abaixo da produtividade, nos últimos anos, até à visível redução real e efectiva dos salários face à inflação; o que vemos é o aprofundamento do fosso entre os salários mais baixos e os mais altos; o que vemos é o aumento progressivo dos impostos, onerando sempre e cada vez mais os trabalhadores por conta de outrem.
Mas verificamos ainda que os trabalhadores precários também apresentam salários mais baixos do que os dos restantes. Isto já para não falar do facto de o trabalho precário constituir sempre um factor de discriminação e condenar o trabalhador a uma completa desprotecção. Uma desprotecção a nível laboral, pela instabilidade, pela falta de garantias, e pela falta de oportunidades de formação, de desenvolvimento pessoal e de uma carreira, mas uma desprotecção também a nível social, pela manifesta desprotecção no âmbito dos sistemas de segurança social.
Dito de outra forma, a precariedade, que afecta principalmente as mulheres e os jovens, é socialmente injusta e degradante, afectando o próprio País na sua produtividade e desenvolvimento e deve, portanto, ser combatida com todas as forças e em todas as faixas do mercado laboral.
Transformando a excepção em regra, o recurso aos recibos verdes tem vindo a representar uma prática recorrente, usual e quase institucionalizada como forma de desresponsabilizar a entidade patronal e de acentuar a precariedade de quem se vê forçado a trabalhar sem direitos.
Como todos sabemos, a grande maioria dos trabalhadores com recibos verdes, ou, como lhes chama o Instituto Nacional de Estatística, de forma soft, os «trabalhadores por conta própria sem trabalhadores», são, de facto, trabalhadores por conta de outrem, uma vez que estão sujeitos a um horário de trabalho, à disciplina patronal e utilizam instrumentos de trabalho do empregador. Está, portanto, presente uma subordinação jurídica.
Todos estes trabalhadores acabam por ser empurrados para esta precariedade extrema porque daí decorrem grandes vantagens para a entidade patronal, uma vez que esta não tem de pagar nem contribuições para a segurança social, que inclui a parte do trabalhador, mas também aquela que é habitualmente da responsabilidade da entidade patronal, nem tem de pagar ao trabalhador o subsídio de férias e o 13.º mês e, mesmo quando pretende rescindir o contrato, não tem de pagar qualquer indemnização.
Portanto, há vantagens para a entidade empregadora e precariedade para os trabalhadores.
Aliás, os governos do PSD, apesar de hoje ficar a ideia de que o PSD fez fortes, efectivos e energéticos combates contra a precariedade, sobretudo com o «Código Bagão Félix», fizeram o que fizeram em relação à precariedade.
O Governo devia intervir activamente no sentido de inverter esta situação e combater a precariedade mas, em vez de combater a precariedade, o Governo tem-se limitado a dar-lhes a pomposa designação de «trabalhadores por conta própria sem trabalhadores», como lhes chama o INE, ou a manobras, como fazem nos Censos com a pergunta 32. Mas, meus senhores, isto não é combater a precariedade, é procurar escondê-la, disfarçá-la. E, pior ainda, é procurar escondê-la e disfarçá-la recorrendo a manobras como aquela que é feita através dos Censos.
Os falsos recibos verdes, porque falsos, são uma mentira. São recibos verdes apenas do ponto vista formal, porque materialmente são verdadeiros contratos de trabalho.
A nosso ver, esta Assembleia não pode ficar indiferente ao que se está a passar, é sua obrigação dar pelo menos um sinal de desagrado, recomendando ao Governo que proceda a um verdadeiro combate no sentido de acabar com a falsidade e a mentira contratual nessas relações laborais.
Do que se trata é de colocar verdade nos falsos recibos verdes e nas outras formas de precariedade laboral que inundam, de forma assustadora, o mundo laboral.
Impõe-se, pois, procurar conter este fenómeno, não só introduzindo regras na contratação pública e privada que restrinjam a precariedade mas também dotando a Autoridade para as Condições de Trabalho dos poderes e meios necessários para este combate, no respeito pelas normas que dão corpo à legislação laboral e na defesa e na promoção do exercício pleno dos direitos de quem trabalha. Impõe-se, pois, combater os falsos «recibos verdes», dissuadindo as práticas de contratação ilegal e obrigando à regularização da situação dos falsos trabalhadores independentes, convertendo os falsos «recibos verdes» em contratos de trabalho efectivo, que, de facto, são.
Penalizar ainda a desobediência às indicações da Autoridade para as Condições de Trabalho e defender o emprego e o trabalho com direitos.
Portanto, sendo este o sentido para que aponta o projecto de resolução do Bloco de Esquerda, que Os Verdes, aliás, acompanham de perto, Os Verdes vão, naturalmente, votar a favor da iniciativa que estamos a discutir.
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